Novas donas de casa: mulheres vivem volta ao lar e informalidade
Afastadas do mercado, chefes de família contam como estão se virando para conciliar o sustento e a rotina doméstica
Viva a Vida|Nayara Fernandes e Julia Putini*, do R7
A cuidadora de idosos Roberta Borges, de 42 anos, viu a vida virar de cabeça para baixo depois que o casal de quem cuidava morreu de covid-19. A jornada hoje ficou dividida: 14 horas diárias entre as tarefas domésticas, um bico de assistência a acamados e professora particular do filho de 15 anos, que sofre para se adaptar ao estudo à distância. Há um mês, ela tem buscado trabalhos alternativos enquanto espera dar baixa em sua carteira profissional.
“Não recebi auxílio, não”, conta. “Trabalhava registrada e por isso não entro nos critérios de quem pode solicitar”. Roberta se sustenta entre as 49,5% das mulheres chefes de família no Brasil, segundo dados da PNAD. Ainda segundo a pesquisa, apenas 37 mil mulheres, entre 9 milhões de pessoas afastadas do mercado, conseguiram retornar aos postos de trabalho. Embora não se encontre nesse dado, a cuidadora segue vivendo de 'bicos' e ajudando o filho nos estudos.
E mais: Mulheres são mais afetadas emocionalmente pela pandemia, diz pesquisa
“As coisas que eu também não sei, pesquisamos juntos e assim vamos indo. É uma atividade extra que eu passei a fazer”, diz. Segundo Roberta, o menino não conta com a participação paterna nas tarefas da escola. “Eu acredito que isso nem se cobra, tem que ser espontâneo. E o pai dele não tem isso, infelizmente. Sei que sou eu a responsável”.
De acordo com Tica Moreno, responsável pelo estudo “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres durante a pandemia”, metade das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém no útlimo ano, seja criança, idoso ou pessoas com deficiência. Afastadas do mercado pela crise no setor de serviços, elas também encaram uma rotina doméstica dobrada.
“É importante a gente entender a necessidade de valorização dos trabalhos de cuidado para que o mercado funcione”, explica. “De um lado, estão as mulheres formalizadas, com ensino superior. Do outro, está a maioria afetada pela crise no setor de serviços, como as revendedoras de cosméticos e empregadas domésticas. Se a gente olha para a situação das mulheres, a referência é a informalidade.”
É o caso de Milena Medeiros, 22 anos. Após ser demitida do emprego formal em uma fábrica de cosméticos, ela passou a se dedicar integralmente aos afazeres da casa e à revenda de produtos Tupperware. “Estou feliz com tudo o que realizei mesmo durante a pandemia”, garante a moradora do bairro Mansões Olinda, em Goiás. “Estou sempre conectada e concilio bem com o serviço de casa. Quando fazemos o que amamos não nos preocupamos com o tempo gasto.”
Uma grande parcela que trabalhava prestando serviços, como Roberta e Milena, não está conseguindo se reinserir. O ramo ficou parcialmente ocioso, voltou a funcionar timidamente, ou simplesmente deixou de existir. Os empregos, no entanto, tendem a continuar escassos com o aumento dos casos e o retorno dos planos de contingência.