A ilusão da escolha: o poder de influenciar tudo o que você compra
O shampoo que você usa e o carro que dirige não foram escolhas suas, mas de uma engenharia de persuasão

Durante décadas, milhões de pessoas ao redor do mundo acreditaram que substituir a manteiga pela margarina era a escolha mais saudável. Diante das prateleiras dos supermercados, a imensa maioria dos consumidores optava pela nova alternativa “amiga do coração” sem saber que incorriam em dois erros:
Primeiro: o produto apresentado como uma evolução nutricional não era sequer saudável. Segundo: não se tratava de uma escolha, mas sim, de um comportamento fruto de uma das campanhas de persuasão mais bem-sucedidas da história da publicidade moderna.
A partir dos anos 1950, a indústria alimentícia passou a promover agressivamente a ideia de que a gordura saturada da manteiga seria um veneno silencioso, enquanto a margarina, feita de óleos vegetais hidrogenados, seria a alternativa mais inteligente e mais saudável.
Inteligente mesmo era o tripé sobre o qual o discurso foi construído: argumento “científico”, produto desenvolvido para o bem de todos, risco inexistente. Uma alegação tão convincente quanto falsa.
Hoje sabemos que a margarina contém gorduras trans, amplamente reconhecidas como mais perigosas do que a própria gordura saturada. Em 2015, por exemplo, a FDA (agência sanitária dos EUA) declarou as gorduras trans “não seguras para o consumo humano”, após diversos estudos associarem seu uso ao aumento de doenças cardiovasculares.
Isso revela não apenas um equívoco nutricional, mas também mostra o quanto somos suscetíveis a narrativas bem construídas, ainda que totalmente falsas. A troca da manteiga pela margarina não foi uma decisão do consumidor, mas um condicionamento vindo de uma engenharia de persuasão muito bem projetada.
Você não escolheu nada: alguém escolheu por você
A “mentira da margarina” serve como porta de entrada para entender o argumento central do livro “A Ilusão da Escolha”, do pesquisador britânico Richard Shotton, que afirma que grande parte das nossas decisões de consumo não nasce da razão, mas de atalhos mentais manipulados pela publicidade e pelo ambiente em que vivemos. Escolhemos menos do que acreditamos, enquanto reagimos mais do que percebemos.
Shotton destaca que grande parte das decisões diárias é tomada de forma automática, conceito amplamente explorado por Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de Economia em 2002, e corroborado por pesquisas na área da psicologia comportamental que sugerem que uma parcela significativa – muitas vezes citada como até 95% – de nossas escolhas são impulsivas ou baseadas em atalhos mentais.
Nesse modo mental, somos guiados por vieses como prova social, escassez, ancoragem, familiaridade e autoridade. E é assim que somos levados a tomar milhares de microdecisões: desde o shampoo “ideal para o seu tipo de cabelo” ao carro que parece “a melhor opção”, ainda que não sejam.
O fenômeno da prova social, por exemplo, explica por que produtos medíocres podem parecer irresistíveis quando acompanhados de frases como “líder de vendas” ou “o preferido pelos brasileiros”. Em testes citados por Shotton, apenas informar que um vinho era “o mais vendido” aumentou sua procura em mais de 20%, independentemente da qualidade. Isso porque a publicidade se vale de um gatilho muito forte: nós não escolhemos o produto, mas o conforto de estar com a maioria.
Confundir para influenciar e lucrar
Segundo o paradoxo da escolha, descrito por Barry Schwartz, renomado psicólogo americano, mostra que oferecer dezenas de opções de um mesmo produto não amplia a liberdade de escolha, mas sim, a ansiedade. Um consumidor confuso tende a escolher a alternativa que parece mais familiar ou mais destacada e não exatamente a melhor, com base na razão. Logo, prateleiras cheias de opções servem muito mais aos objetivos das empresas do que aos interesses do consumidor.
Há também o efeito de ancoragem, demonstrado por Shotton, onde a simples exposição a um número alto altera nossa percepção de preço. Um carro de R$ 130 mil parece “razoável” quando exibido ao lado de outro parecido, mas ao preço de R$ 170 mil. Sem a opção âncora, o carro de R$ 130 mil poderia ser percebido como caro, mas com ela, torna-se “o melhor custo-benefício”.
Se a publicidade conseguiu fazer praticamente o mundo inteiro acreditar que margarina era sinônimo de saúde, imagine o que ela consegue fazer com uma boa narrativa em produtos com valor agregado muito maior.
A verdade incômoda é que a maior parte do que compramos não é fruto de escolhas próprias, mas de uma arquitetura de decisão cuidadosamente planejada. No fim das contas, a única defesa possível é a consciência crítica: perguntar não apenas o que estamos comprando, mas por que desejamos aquilo. Ao não entendermos isso, continuaremos acreditando numa liberdade inexistente, enquanto gastamos nossos recursos não no que queremos ou escolhemos, mas no que alguém escolheu por nós.














