Guardar dinheiro para deixar de herança ou gastar em vida e morrer sem nada?

A família de Rafael (nome fictício) sempre foi unida, mesmo nas ocasiões em que a maioria se desestrutura. Quando a mãe faleceu, embora ele e suas duas irmãs já estivessem casados e com filhos, todos se desdobraram para cuidar do pai que, mesmo idoso, ainda trabalhava no comércio que sustentou modestamente a família por toda a vida.

Por ser um poupador quase obsessivo e desconfiado de bancos, os filhos acreditavam que o pai guardava dinheiro de alguma forma nada ortodoxa, mas nunca questionaram abertamente. Insistiam apenas que era hora de desfrutar da vida e ter um pouco mais de conforto, já que não precisava sustentar mais ninguém.

Sem dar ouvidos aos filhos, o pai faleceu de repente. Durante a limpeza da garagem – abarrotada de quinquilharias acumuladas por décadas –, Rafael encontra uma velha caixa de ferramentas e, ao tentar tirá-la do caminho, percebe o peso desproporcional: ela estava repleta de barras de ouro, embrulhadas uma a uma em trapos encardidos.

Se, por um lado, eles acabavam de descobrir que teriam uma vida muito mais tranquila financeiramente, por outro, era triste saber que aquilo tudo era fruto de uma vida inteira de privações.

Faz sentido poupar para um futuro que talvez não chegue?

No livro “Morra sem Nada”, Bill Perkins argumenta que o maior arrependimento das pessoas no final da vida não é o dinheiro que gastaram, mas as experiências que deixaram de viver por adiar demais o uso de seus recursos.

O autor faz um paralelo entre o que chama de Curva da Saúde e Curva da Riqueza. Enquanto a Curva da Riqueza tende a aumentar ao longo da vida, atingindo o pico na idade de aposentadoria, a Curva da Saúde atinge o pico na juventude e vai diminuindo gradualmente com a idade.

Para Perkins, a intersecção dessas duas curvas é o ponto ideal para usar o dinheiro em experiências. Ele sugere que a capacidade de desfrutar de experiências depende tanto da sua capacidade econômica (Curva da Riqueza) quanto da sua capacidade física (Curva da Saúde).

A principal lição é que, embora possamos ter mais dinheiro na velhice, nossa saúde e energia podem prejudicar as experiências ou até mesmo inviabilizá-las. Ou seja, ao apenas acumular dinheiro e adiar o prazer, corremos o risco de perder a janela de oportunidade para termos experiências significativas.

Segundo Perkins, o equilíbrio saudável ocorre quando o dinheiro cumpre seu propósito: ampliar experiências, aprofundar relações e ter qualidade nas diversas fases da vida. Juntar por juntar, seja para deixar herança ou por simples hábito, pode transformar o ato de poupar em um fim em si mesmo, desalinhado das necessidades humanas mais profundas.

É preciso encontrar o ponto de equilíbrio

Um ponto essencial para equilibrar a mensagem de Morra sem Nada é reconhecer que viver intensamente o presente não significa ignorar as exigências do futuro. Embora Perkins defenda que experiências têm maior retorno quando vividas no tempo certo, ele não descarta a necessidade de prudência financeira.

A verdade é que, em algum momento, a energia diminui, o vigor para o trabalho já não é o mesmo e a aposentadoria pode não ser suficiente para cobrir todas as necessidades. Por isso, o desafio não está em escolher entre gastar agora ou poupar para depois, mas em encontrar um meio-termo inteligente: desfrutar da vida de forma consciente, sem comprometer a segurança das próximas décadas.

O equilíbrio surge quando o planejamento financeiro incorpora tanto o presente quanto o futuro, permitindo que cada fase da vida seja vivida com dignidade, propósito e tranquilidade.