O ensino público está criando “racismo educacional”?
Por que atividades culturais em escolas públicas ignoram literatura de qualidade e privilegiam funk e “poesia da favela”?

A diarista Ana Maria de Souza é mãe de Thiago, de 8 anos, e de Manuela, de 12. Ambos estudam na mesma escola pública, em um bairro da periferia de São Paulo, desde o primeiro ano do ensino fundamental.
Apesar da baixa renda e de todas as dificuldades que uma mãe solo enfrenta, Ana Maria definiu regras irrevogáveis dentro de casa: tanto ela quanto os filhos têm de ler um livro por mês e escrever um resumo, que lerá para a família.
A ideia surgiu quando Ana Maria assistiu ao filme “Mãos Talentosas”, baseado na história real de Benjamin S. Carson, um menino americano que teve de lutar contra a pobreza, o preconceito e as inúmeras dificuldades de aprendizado na escola. Embora analfabeta, sua mãe o obrigou a ler um livro por semana e escrever um resumo, o qual ela fingia ler. Já adulto, Carson se tornou um dos neurocirurgiões pediátricos mais renomados do mundo e é algo assim que Ana Maria quer proporcionar a seus filhos.
Porém, de uns tempos para cá, a diarista tem a impressão de que as bibliotecas públicas estão desaparecendo, pois nenhuma das três que ela costumava ir com as crianças existe mais. Infelizmente Ana Maria tem razão. Em 2022, a Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, divulgou que, entre 2015 e 2020, 764 bibliotecas públicas encerraram suas atividades no Brasil sem motivo definido. Só no estado de São Paulo, 538 unidades foram fechadas.
O que dizem os especialistas em educação
Muitos especialistas acreditam que para despertar o interesse dos alunos é preciso que eles “se vejam” nas atividades escolares.
A questão é que esse tal “se ver” passa longe do incentivo à leitura de livros de qualidade e estaciona em “atividades culturais” como o funk – ainda que as letras e coreografias façam alusão a crimes e à sexualidade exacerbada – e a propostas como “poesia da favela”, como se o interesse dos alunos se resumisse a esse tipo de temática.
“Eu não acho que isso vai ajudar meus filhos a mudar de vida. Escola não é lugar para dançar funk e pagode, nem para ficar falando só sobre favela, pobreza. Eles deveriam abrir a cabeça das crianças para coisas novas, para eles aprenderem que não é normal viver na miséria e só preocupado com festa. Só que quando eu falo essas coisas nas reuniões, eles falam que eles estudaram e sabem o que estão fazendo. Como eu não estudei, acabo ficando quieta”, desabafa Ana Maria.
Ela conta que a maioria dos pais não se incomoda com as atividades escolares e poucos comparecem às reuniões: “Eles reclamam que a escola fica ‘fazendo reunião toda hora’ e que precisam trabalhar, mas os pais podem faltar para comparecer nas reuniões. Eu aviso minha patroa e levo atestado. São só três ou quatro reuniões por ano, mas se os próprios pais não acham importante, aí fica difícil”
A diarista, que trabalha de segunda a sábado, usa os domingos para levar os filhos a sebos, onde vendem os livros já lidos e compram outros. “É uma pena vender os livros porque o meu sonho era ter uma biblioteca em casa. Mas não tenho espaço e o dinheiro ajuda a comprar os próximos. Se eu não cuidar do que os meus filhos aprendem, quem vai cuida?”, questiona.
Se os especialistas estão tão convictos de que os alunos têm de “se ver” nas aulas, por que não incentivam atividades que estimulem a mudança, a quebra do teto de vidro e a preparação para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo? Por que insistem em estereotipar o aluno pobre como favelado e em afunilar seus talentos a músicas e danças sensuais? Não seria um “preconceito educacional”? Não seria uma tentativa de normalização da miséria e de perpetuação da pobreza?
Enquanto os pais não entenderem que a escola pública só vai ensinar o que interessa ao Estado – e que é mais fácil governar um país de analfabetos funcionais do que de pessoas instruídas – seus filhos estarão entregues a um sistema que, ao que tudo indica, não tem qualquer interesse em fazê-los crescer.