Cozinhas fantasmas com sabores reais fazem a revolução das dark kitchens no Brasil
Marcas que operam exclusivamente para delivery ou retirada servem de teste de público, região e até o lançamento de operações maiores

O que na pandemia era uma tendência silenciosa, hoje é um verdadeiro fenômeno gastronômico: as dark kitchens, também conhecidas como cozinhas fantasmas ou virtuais. Elas estão redefinindo a forma como nos alimentamos, especialmente quando o pedido chega quentinho pelo aplicativo.
A dark kitchen é uma cozinha profissional criada exclusivamente para preparar pedidos de entrega: não tem salão, não tem atendimento presencial e, muitas vezes, nem fachada com nome de restaurante. Muitas vezes, os imóveis são todinho pintados de preto do lado de fora.
Esse modelo ganhou força com o crescimento dos aplicativos de entrega, e tem se mostrado não só viável, como altamente estratégico para marcas que querem escalar rápido e com baixo investimento inicial. Segundo a Euromonitor, o mercado global de dark kitchens deve atingir US$ 1 trilhão até 2030. E no Brasil, o setor cresce em média 20% ao ano.
Como principais características, eles têm a operação 100% voltada ao delivery (iFood, Rappi, Uber Eats ou apps próprios), menor custo operacional (sem garçom, salão, decoração), localização estratégica _em vez de estar em bairros caros, pode funcionar em galpões, estacionamentos ou até contêineres_, e podem ter até mesmo várias marcas na mesma cozinha _um mesmo espaço pode operar várias marcas ou tipo de comida (uma de hambúrguer, outra de sushi, outra de marmita).
Vantagens
- Agilidade para testar novos cardápios ou marcas;
- Expansão rápida sem precisar abrir novas lojas físicas;
- Mais fácil ajustar o negócio conforme a demanda e feedback.
Desvantagens e desafios
- Falta de contato com o cliente (o que reduz fidelização e experiência de marca);
- Alta dependência de apps de delivery;
- Concorrência intensa com preços muito apertados;
- Problemas com entregas podem afetar a reputação mesmo sem culpa do restaurante.
- Como tendências para os próximos anos, chegam as dark kitchens híbridas, com espaços para retirada (pickup points), automação com IA e robôs para preparo e logística e marcas nativas digitais crescendo só com dark kitchens, sem loja física nunca.
Dark kitchens à brasileira
O Brasil tem visto uma explosão criativa nesse setor. E aqui vão os exemplos mais marcantes das marcas que já entenderam o jogo e estão ditando o ritmo:
1. Oliver’s Pizza (Grupo ØLV)
Nascida no litoral do Rio, a Oliver’s ficou conhecida pelo rodízio de pizzas artesanais e coberturas exclusivas. Hoje, a rede opera com oito unidades espalhadas pelo estado (Maricá, Niterói, Itaipuaçu, Cabo Frio, São Gonçalo, Barra da Tijuca e Copacabana), apostando tanto em lojas físicas quanto em dark kitchens.
A marca oferece quatro modelos de negócio para franqueados, sendo o de delivery sem atendimento ao público o mais acessível em termos de investimento. O Grupo ØLV também é holding da Rajah Esfihas, e mantém um projeto de expansão em pleno vapor.
2. Conglomerado Burger (Grupo Rob Food)
Um verdadeiro hub de marcas de hambúrguer. O Conglomerado Burger integra redes como Zenha Burger, comandado por Bia Fraga (expert certificada iFood e mentora de empreendedores do mercado gastronômico), Rão Burger, que tem Guilherme Lemos à frente, Ogro Steaks comandada pelo chef Jimmy e Bob Beef, com cardápio assinado pelo chef Pablo Lamar.
Funciona como um “combo de franquias”: o franqueado compra até quatro marcas pelo preço de uma. Em uma única cozinha com chapa, fritadeira e equipe unificada, é possível operar até 10 marcas diferentes. O faturamento atual está em R$ 1,5 milhão/mês com meta de chegar a R$ 18 milhões por meio de novos modelos de negócio, como fusões e aquisições para ampliar a sua presença, que hoje já é de 15 lojas espalhadas por Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo.
Segundo Henrique Lemos, CEO do grupo: “Em uma única operação, o franqueado pode conduzir até dez marcas diferentes utilizando o mesmo maquinário, equipe e logística”. O investimento inicial por loja começa em R$ 150 mil, em um modelo híbrido de delivery e retirada.

3. Grupo Harō
Fundado em 2017 por Fernando Andrade e João Pedro Bezerra, começou com o Harō Sushi, em Olinda (PE), com um investimento de apenas R$ 30 mil. A aposta foi clara: delivery de comida japonesa pelo sistema de dark kitchen desde o início.
Hoje, o Grupo Harō opera mais de 50 unidades em 14 estados e seis marcas em um modelo que permite que um único franqueado comande todas as marcas de um mesmo ponto.
Um desses casos está em São Paulo e é comandando por Willian Kaique Bezerra da Costa e Jonathan David Dias Viegas, de 27 e 26 anos, respectivamente. Eles vendem 2.000 pedidos por mês e operam duas marcas em um mesmo ponto. Vão dobrar para quatro marcas e ampliar o quadro de funcionários. “Ainda assim, vale muito a pena porque os ingredientes são otimizados em todos os cardápios e a lista de compras e fornecedoras não fica tão extensa”, conta Bezerra da Costa.
As marcas do grupo são segmentadas para atender diversos públicos:
- Harō Sushi: culinária asiática tradicional, premiada como Melhor Restaurante Delivery de Culinária Asiática pelo iFood em 2024
- Hapoke: especializada em poke bowls havaianos
- The Roll: especializado em sushis do tipo roll
- Redwok: pratos asiáticos quentes
- Mango Salad: opções saudáveis e leves
- Tio Parma: culinária italiana
Cerca de 80% das vendas passam pelo app do iFood e a meta para este ano é chegar a 75 unidades até o fim de 2025, com estreia internacional em Portugal. “A opção pelo modelo de dark kitchen foi estratégica, especialmente pela redução dos custos operacionais, que nos permite focar 100% da atenção na qualidade dos produtos na entrega. O modelo tradicional pede um restaurante, um ponto de muito fluxo de pessoas, mais funcionários, e outras exigências para ser bem sucedido. Já a dark kitchen precisa ser instalada dentro de um bom mapa de calor de onde existe uma grande concentração de consumidores daquele produto”, afirma Fernando Andrade, CEO do grupo.

4. La Braciera Pizza Napoletana
Criada em 2021, a La Braciera Pizza Napoletana oferece a autêntica “La Verace Pizza Napoletana”, com fermentação natural de 48h, com processos e ingredientes originais da Itália como a massa, que leva apenas quatro ingredientes: farinha Molino Caputo Italiana, fermento natural, água e sal.
A marca tem cinco unidades físicas em São Paulo (Jardins, Higienópolis, Santana, Morumbi e Tatuapé) e quatro dark kitchens (Vila Mariana, Moema, Brooklin e Lapa), com uma quinta a ser inaugurada em Pinheiros, na Rua Fradique Coutinho.
Daniel Lucco, sócio da La Braciera, usa o modelo de dark kitchen para testar e validar o potencial de determinados bairros. “Ao optarmos por esse modelo, que exige um investimento significativamente menor do que uma unidade com salão, conseguimos avaliar se a região tem demanda suficiente para justificar uma futura expansão com espaço físico para atendimento”, ensina ele. Segundo ele, a margem de lucro da cozinha fantasma é menor que no salão, mas com volume de pedidos muito maior. A meta da unidade de Pinheiros é chegar a 2.000 pedidos/mês.

5. ATW Delivery Brands (Tastefy)
Fundada em 2017 como uma empresa capixaba, a ATW se tornou a maior dentro do modelo de dark kitchens no Brasil. Liderada por Victor Abreu, essa gigante opera quase mil restaurantes digitais com 180 cozinhas físicas e 15 marcas próprias, que abrangem a culinária caipira, japonesa, italiana e de salgadinhos. As marcas incluem N1 Chicken, Brasileirinho Delivery, Zé Coxinha e O Que Comer, Fernando?!.
Victor Abreu apostou no modelo de dark kitchen como forma de escalar um negócio físico com base em estratégias digitais. “Em média, nossas cozinhas operam com cinco marcas”, afirma ele.
Atualmente o principal canal de venda é o iFood, porém, em breve a marca lançará seu próprio aplicativo, juntamente com a mudança de nome para Tastefy. A meta da empresa é chegar a 200 operações em 2025.
As dark kitchens um novo capítulo da gastronomia — invisível aos olhos, mas muito presente na vida (e no prato) dos brasileiros. Se você pensou que pedir delivery era apenas conveniência, agora já sabe: por trás daquela caixinha que chega à sua porta, pode existir uma cozinha inteira com várias marcas, inteligência artificial e muita estratégia de negócio. Bem-vindos à era das cozinhas invisíveis!
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