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Aprendiz de cozinheira

Microplásticos invadem nossa alimentação e representam uma ameaça invisível à saúde

As partículas de microplásticos estão presentes em alimentos e bebidas, comprometendo a qualidade e a segurança do que consumimos diariamente

Aprendiz de Cozinheira|Aline SordiliOpens in new window

Microplásticos estão presentes de forma invisível em nossos alimentos, expondo-nos a riscos ambientais e à saúde Divulgação

A presença de microplásticos nos alimentos que consumimos diariamente representa um desafio crescente para a saúde pública global. Como apreciadores da boa gastronomia, precisamos ampliar nossa preocupação para além dos aspectos sensoriais dos alimentos, dirigindo nossa atenção para contaminantes invisíveis que podem comprometer nossa saúde a longo prazo.

Microplásticos são partículas plásticas com dimensões inferiores a 5 milímetros que vêm se acumulando progressivamente nos ecossistemas aquáticos e terrestres.

 “O aumento da produção e consumo de plástico nas últimas décadas foi acompanhado por um aumento proporcional no seu descarte e acúmulo no meio ambiente, resultando na contaminação dos ambientes marinhos e de água doce”, como explica a doutora Maiara Menezes, especialista em ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A magnitude deste problema é substancial: segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrema), cada brasileiro gerou aproximadamente 64 quilos de resíduos plásticos em 2022. Uma proporção significativa deste material termina nos oceanos, onde gradualmente se fragmenta em partículas microscópicas que persistem no ambiente.


Pesquisas recentes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) revelaram resultados preocupantes: microplásticos foram encontrados em aproximadamente 90% dos camarões-de-sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri) analisados no litoral paulista.

O estudo estrategicamente comparou duas regiões distintas: a Baixada Santista, caracterizada por intensa atividade industrial e portuária, e Cananéia, uma área relativamente mais preservada no litoral sul.


Microplásticos são partículas plásticas com dimensões inferiores a 5 milímetros que vêm se acumulando progressivamente nos ecossistemas aquáticos e terrestres Maiara Menezes

Este estudo reforça que os camarões funcionam como excelentes bioindicadores devido ao seu comportamento alimentar detritívoro, que os expõe constantemente aos sedimentos marinhos onde microplásticos tendem a se concentrar.

Um estudo inovador publicado na revista Environmental Pollution (2024) revelou um panorama ainda mais abrangente sobre a contaminação por microplásticos em nossos alimentos.


Pesquisadores da Universidade de Toronto investigaram a presença de microplásticos em 16 produtos proteicos comumente consumidos nos Estados Unidos, incluindo frutos-do-mar, carnes terrestres e proteínas vegetais.

Os resultados foram alarmantes: microplásticos foram detectados em todos os 16 produtos analisados. A contaminação média foi de 74 ± 220 partículas de microplástico por porção, com maior concentração em alimentos altamente processados. O camarão empanado apresentou a maior contaminação (370 ± 580 microplásticos por porção), enquanto o peito de frango mostrou a concentração mais baixa (4 ± 2 microplásticos por porção).

Considerando os padrões de consumo alimentar americanos, os pesquisadores estimam que um adulto médio pode estar ingerindo aproximadamente 11.000 ± 29.000 partículas de microplástico anualmente apenas através destes 16 tipos de proteínas, com uma exposição máxima potencial de 3,8 milhões de partículas por ano.

Além da contaminação em crustáceos, peixes também estão sendo afetados pela poluição plástica. Um estudo publicado no periódico Aquatic Toxicology, conduzido por pesquisadores da UFRN, examinou experimentalmente os efeitos da ingestão de microplásticos em carpas comuns, uma espécie amplamente consumida globalmente.

Os resultados revelaram uma dimensão preocupante: embora não fossem observados impactos imediatos no metabolismo respiratório ou crescimento dos peixes durante o experimento de 21 dias, os cientistas identificaram um aumento significativo na frequência de células sanguíneas com micronúcleos nos exemplares expostos aos microplásticos, indicando danos genéticos potencialmente cumulativos.

Velejadora brasileira Heloísa Schurmann, do projeto Voz dos Oceanos Divulgação Voz dos Oceanos

“Com as expedições marítimas, iniciadas em agosto de 2021, nossa Voz dos Oceanos testemunhou a presença de plástico e microplástico em, até o momento, cerca de 100 destinos de mais de 10 países. Na COP30, apresentaremos os resultados desse estudo inédito, realizado em parceria com a USP, com um diagnóstico sobre a poluição da costa brasileira e impacto na segurança alimentar”, diz David Schurmann, CEO da Voz dos Oceanos.

 “Dizem que 2040, terá mais plástico nos oceanos do que peixes e eu acredito nisso. A gente vê uma quantidade assustadora de plástico”, disse na ONU a velejadora brasileira Heloísa Schurmann, do projeto Voz dos Oceanos.

Há, sim, ações concretas para reduzir impactos ambientais, como a redução de tamanhos de equipamentos, troca de arrasto por gaiolas biodegradáveis, aumento e melhora da conscientização sobre a perda de material no mar, com projetos-piloto que buscam chegar a zero resíduo, ensina Antonio Carlos Costa Amaral, consultor de pesca e comerciante de pescados.

“Brasileiro gosta de embalagem bonita, mas tudo é plástico. Precisamos promover o ‘menos é mais’: lavagem limpa, mas menos equipamento, mais qualidade, menos diesel”, diz ele.

O estudo da Universidade de Toronto apresenta uma descoberta crucial: produtos altamente processados contêm significativamente mais microplásticos que produtos minimamente processados (p = 0,0004). Isso sugere que os processos industriais de produção de alimentos podem ser importantes vetores de contaminação.

Equipamentos como esteiras transportadoras, uniformes de trabalhadores e máquinas utilizadas no processamento podem introduzir microplásticos nos alimentos. Para produtos como tofu (categorizado como altamente processado no estudo), cada etapa do processamento pode representar um ponto de contaminação adicional.

Um aspecto particularmente preocupante desse cenário é a segurança alimentar e seus potenciais impactos na saúde humana. Os pesquisadores da Unesp planejam investigar se os microplásticos detectados no trato gastrointestinal dos camarões também se acumulam na musculatura, a parte comumente consumida pelos humanos.

Produtos altamente processados contêm significativamente mais microplásticos que produtos minimamente processados Divulgação

Similarmente, o estudo canadense demonstra que estamos ingerindo quantidades consideráveis de microplásticos através de diversos alimentos proteicos. Embora ainda não exista uma estrutura de avaliação de risco definida para determinar os impactos desses contaminantes na saúde humana, a evidência crescente aponta para a necessidade de investigações mais aprofundadas.

Os microplásticos já foram documentados em praticamente todos os ambientes marinhos, das praias às profundezas abissais. Segundo dados citados nos estudos, eles representam aproximadamente 92,4% dos detritos plásticos marinhos, evidenciando a magnitude do problema.

A pesquisa da Universidade de Toronto revela ainda que a contaminação por microplásticos não está limitada aos alimentos marinhos—proteínas terrestres e vegetais também apresentam contaminação significativa. Isso indica que os microplásticos estão presentes em toda a cadeia alimentar e que os vetores de exposição são diversos e complexos.

Como alerta a Dra. Maiara Menezes: “Considerando os altos níveis de poluição dos ecossistemas naturais e das áreas urbanizadas e, consequentemente, a grande exposição de animais e humanos ao microplástico, sobretudo por um tempo indeterminado, faz-se necessário que novas e urgentes medidas de combate à poluição sejam tomadas.”

O que podemos fazer como consumidores?

Como apreciadores da boa mesa e consumidores conscientes, podemos adotar estratégias para reduzir nossa exposição aos microplásticos e contribuir para a mitigação deste problema crescente:

  • Diversificar nossa alimentação, evitando dependência excessiva de produtos altamente processados e frutos-do-mar, que tendem a apresentar maiores concentrações de microplásticos;
  • Priorizar fornecedores que implementam práticas sustentáveis de produção, pesca e cultivo;
  • Reduzir significativamente nosso consumo diário de plásticos, particularmente itens descartáveis;
  • Adotar práticas rigorosas de descarte de resíduos plásticos, impedindo que alcancem ambientes aquáticos;
  • Engajar-se ativamente em políticas públicas e iniciativas que visem a redução sistemática da poluição por plásticos.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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