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Livro mostra outro lado da personagem Chica da Silva

Jornalista Joyce Ribeiro escreveu um romance contando detalhes sobre a mulher negra que desafiou uma sociedade escravocrata

|Juca Guimarães, do R7

Joyce Ribeiro diz que queria falar sobre uma mulher forte
Joyce Ribeiro diz que queria falar sobre uma mulher forte

No século dezoito todas as regras pesavam contra Chica da Silva. Mulher, negra e escrava. Porém, cercada de opressão e desvantagens ela soube virar o jogo é impor sua vontade. Empreendedora, culta e ligada às artes ela se preocupou com a educação dos 14 filhos e levantou questões importantes sobre o direito das mulheres.

Diferentemente da imagem de sedutora e deslumbrada, mostrada em músicas, filmes e novelas, a Chica da Silva apresentada no romance escrito pela jornalista Joyce Ribeiro é uma personagem densa, corajosa, apaixonada e instigante.

Quando o Brasil vivia as trevas sem os mínimos direitos democráticos, Chica da Silva desafiou a sociedade. Sem ser uma feminista ou abolicionista convicta, ela promoveu embates pessoais contra o sistema.

Confira a entrevista exclusiva do R7 com a autora:


R7: Como surgiu o interesse pela personagem Chica da Silva?

Joyce Ribeiro: Quando pensei em escrever um livro, queria falar de uma personagem feminina. Fui amadurecendo esta ideia, conversando com amigos e fiquei cada vez mais interessada pela história da Chica da Silva. Queria falar sobre uma mulher forte, que soube buscar um caminho para enfrentar e superar os problemas da vida.


R7: Por que a opção por um romance baseado em fatos reais e não uma biografia mesmo?

Joyce: A história de Chica da Silva é muito conhecida, já esteve nas telas do cinema, em novela. Pesquisando mais, percebi que a personalidade dela era muito complexa e moderna para a época em que viveu, com muitas outras características que poderiam ser exploradas. Escolhi escrever em forma de romance para imaginar como foram os detalhes da vida dela, os sentimentos, o clima do lugar onde morava, sempre com a possibilidade de como autora, soltar a imaginação com base nos fatos reais que são conhecidos sobre a vida dela.


R7: A figura da Chica da Silva ficou subestimada no contexto histórico? Ela não é um dos ícones da luta direta contra a escravidão, mas do seu modo representa a luta dos negros por uma vida digna e sem preconceitos?

Joyce: A Chica acreditou no amor e acreditou que era possível viver um relacionamento longo com o homem que foi seu dono. Ela foi uma curiosa, gostava de aprender, tratou de negócios, cuidou da herança dos filhos. Apesar de tudo isso ficou mais conhecida pela sensualidade e pela maneira excêntrica de ser. Ela teve sim sua história diminuída e subestimada, muito pela “audácia” que teve ao acreditar que poderia ter uma vida melhor, digna e com um futuro de abundância para os filhos. A sociedade do século dezoito não tolerava este posicionamento, assim a personalidade dela foi ligada a todos os defeitos possíveis.

R7: Na época da Chica da Silva era quase impossível uma mulher negra (escrava) ter a ascensão social que ela teve. Como se explica isso no livro?

Joyce: O livro fala em detalhes sobre a personalidade de Chica, a forma como ela encarava a vida e o começo do amor que viveu com o contratador de diamantes. A transformação na vida daquela mulher que nasceu na pior das condições, a de escrava, só aconteceu pelo fato dela acreditar que era possível e que não estava destinada apenas ao pior, a dor e ao sofrimento que faziam parte da vida de seu povo desde o dia do nascimento até a morte. Não retratei uma Chica que estivesse consciente de sua mudança social desde o início, e tão pouco que tivesse este único objetivo desde cedo, mas uma mulher que acreditou que se esta possibilidade se apresentava em seu caminho, não havia motivos para não viver aquela história e tudo que resultava dela.

R7: Chica da Silva era uma mulher à frente do seu tempo e se preocupou muito com a educação dos filhos. Como você trata isso no livro?

Joyce: Chica viveu plenamente a maternidade, teve 14 filhos, e foi extremamente preocupada com a educação deles, inclusive com os estudos das meninas, o que não era comum para a época. O livro mostra como este casal colocava em prática seus pensamentos diferentes.

R7: A imagem que se tem pelas músicas e pelos poucos registros históricos é que a Chica da Silva era sedutora e dominadora. Essa é uma visão machista da personagem?

Joyce: Sim, acredito que a forma intencional de destacar somente o lado sedutor de Chica, tinha o objetivo de diminuir seu papel, manchar sua biografia, impossibilitar o crescimento de suas ideias e o amadurecimento de um possível papel de destaque naquela sociedade, que não aceitava sua forma segura de se posicionar.

R7: A aristocracia mineira era menos racista que a aristocracia carioca ou paulista naquela época? Será que ela teria o mesmo destaque se vivesse no Rio ou São Paulo?

Joyce: Não existia uma sociedade mais ou menos racista naquela época. Todas eram completamente racistas e o caso isolado da Chica só ganhou destaque pela combinação da personalidade dela e da força real daquele amor que direcionou a forma como um casal, formado por uma mulher negra e escrava e um alto representante da elite, se apresentou sem disfarces para a sociedade.

R7: Chica da Silva também teve escravos e era casada com um negociador e tratador de negros cativos. Ela também se beneficiou da escravidão?

Joyce: Este é um dos pontos de discussão sobre a vida da Chica. Ela teve escravos e se beneficiou do modo como se gerava riqueza na época. Ela não lutou contra isso, como uma mulher ex-escrava no século dezoito, ela simplesmente ousou sonhar com uma vida digna para sua família, com possibilidades reais de crescimento para seus 14 filhos. Chica não teve uma visão militante, de luta contra a escravidão e contra a exploração das mulheres.

R7: Você vê a Chica da Silva também como uma das precursoras do feminismo no Brasil?

Joyce: Chica não teve intencionalmente este objetivo. Os pensamentos dela não estavam organizados para esta luta com objetivo de favorecer um grupo, seja dos negros escravos ou das mulheres na sociedade. Chica nunca teve a intenção de se tornar ícone nesta batalha. Os anos e a análise da atuação dela, mostraram que mesmo sem se dar conta, ela já mostrava um início de resistência e de cobrança pelos direitos de todos na formação de uma sociedade mais igual.

R7: A escravidão é uma das passagens mais terríveis da história brasileira. Só nas viagens dos navios negreiros morrem mais de 5 milhões de pessoas. Na pesquisa para o livro, você se deparou com dados sobre os maus tratos e mortes de negros nas propriedades mineiras?

Joyce: Sim. O livro fala sobre a vida nas senzalas, as doenças, o trabalho forçado que matava, os maus tratos na casa grande. O objetivo não era aprofundar estes questionamentos com a exposição mais profunda de números e pesquisas, mas foi impossível contar esta história, mesmo romanceada, sem falar da tragédia, da matança e da crueldade vivida na escravidão.

R7: Você é a favor do sistema de cotas como reparação para parte das atrocidades cometidas durante os 300 anos e escravidão no Brasil?

Joyce: Acho que esta é uma medida que pode trazer os avanços mais imediatos que tanto necessitamos. O sistema de cotas pode começar a reverter uma situação muito desfavorável para o negro. Seria como um remédio para curar a doença que castiga. Passada a doença não há mais a necessidade do remédio. Quero pensar em um mundo onde o uso das cotas não será mais necessário, onde todos terão acesso e pronto, mas por enquanto estamos longe disso e as cotas podem sinalizar o começo da mudança.

R7: O vereador Fernando Holiday, do DEM, diz que vai propor o fim do feriado da Consciência Negra e as cotas para negros em concursos públicos. Ele afirma que são medidas para evitar o "vitimismo". Você acha que falta conhecimento histórico para o vereador ou ele intencionalmente está querendo impor um retrocesso à luta dos negros por mais direitos e contra o racismo? Por outro lado, o acusam de ser um novo tipo de "capitão do mato" ou "negro de alma branca, alinhado aos interesses da Casa-Grande", em certa medida são críticas que também se faz a imagem da Chica da Silva, não é?

Joyce: Acredito que são comportamentos muito distintos. A Chica viveu a escravidão, apesar de sonhar com mudanças que atingiam apenas a vida dela, estava inserida em uma sociedade escravocrata, era uma mulher sem estudos e que nunca saiu das redondezas do local onde nasceu. O momento de vida deste vereador é outro e talvez a pouca idade e desprezo pelos que vieram antes, façam dele uma pessoa que não demonstra respeito pela história e luta de negros e negras que perderam a vida para que ele pudesse ter voz hoje.

Serviço

Título: Chica da Silva — Romance de uma vida

Autora: Joyce Ribeiro

Editora: Planeta

Número de páginas: 189

Valor: R$ 24,43 (na Fnac)

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