Morre, aos 84, a cantora Nana Caymmi, uma das maiores vozes da canção brasileira
Filha de Dorival Caymmi, artista estava internada em um hospital em Botafogo, no Rio de Janeiro, havia nove meses
Famosos e TV|Do R7, com Estadão Conteúdo

Uma das maiores intérpretes da música brasileira, a cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira (1º), aos 84 anos, no Rio de Janeiro. Ela estava internada na Clínica São José, em Botafogo, desde agosto do ano passado, onde tratava de uma arritmia cardíaca.
A causa da morte não foi informada.
O irmão da artista, o também cantor Danilo Caymmi, confirmou a notícia em um vídeo postado nas redes sociais.
Segundo ele, o Brasil perde uma grande cantora.
“Nós estamos realmente todos muito tristes, mas ela penou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI de hospital”, afirmou.
Na última terça-feira (29), dia em que completou 84 anos, Nana sofreu “uma overdose de opioides”, de acordo com seu irmão.
Em abril, um boletim médico informou que a cantora permanecia internada, com quadro estável, respirando sem o auxílio de aparelhos e sem previsão de alta.
Nana Caymmi nasceu Dinahir Tostes Caymmi, em 29 de abril de 1941, no Rio de Janeiro, e era filha do compositor Dorival Caymmi (1914-2008) e da cantora Stella Maris.
Ela começou a carreira em 1960, ao interpretar Acalanto, música composta por seu pai.
Ao longo da carreira, gravou mais de 20 discos, incluindo Nana, Tom, Vinicius, lançado em 2020, em meio à pandemia de Covid-19.
Briga com o pai e casamento com Gil
Ao mesmo tempo em que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decidiu deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.
De volta ao país, separada, enfrentou o preconceito de Caymmi, que decidiu não falar mais com a filha.
Nana foi então socorrida pelo irmão, Dori, que fez a canção Saveiros para ela cantar no 1º Festival Internacional da Canção. Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.
Casada agora com Gilberto Gil, apresentou-se no 3º Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Gravou com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.
Em 1973, fez uma exitosa temporada em Buenos Aires, onde lançou um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproximou da filha, em um programa de televisão.
Ao longo dos anos 1970 e 1980, gravou regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo.
Em 1980, participou da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, gravou Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.
Com o prestígio de uma das principais cantoras do país, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas, não tinha a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.
Sucesso popular
O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez.
A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte, conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.
Anos antes, ela havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena tinha sido escolhida para a abertura da novela Tieta. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, foi trocada por uma música “mais animada”.
“Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão”, reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.
Com a carreira em alta, arriscou e colocou em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez.
Homenagens a Caymmi e parcerias
Nos anos 2000, Nana se dedicou a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.
Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo.
A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, recuperasse-se de uma internação. Mas Miranda morreu em outubro de 2023.
O Selo Sesc, projeto criado por ele, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.
A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman.
Nele, a artista dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.
Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu , sucesso de Cassiano, com a participação da artista nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.
Em uma de suas últimas entrevistas, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta.
Também desejava cantar Milton Nascimento — um de seus grandes amigos — e Beto Guedes.
“Se eu não gravei, são inéditas para mim”, disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.
Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. “Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio”, disse.