Vinte anos após tiro, filha caçula evita passado de Gerson Brenner
Amigos, médicos e familiares relatam a intensa luta do ator pela vida; homem que foi preso e condenado pelo crime, em 1998, ainda jura inocência
Famosos e TV|Aurora Aguiar, do R7 / Sabrina Cessarovice, Arte R7
Há exatos 20 anos, um tiro no topo da testa numa tentativa de assalto interrompeu a carreira profissional do ator Gerson Brenner. Ele foi vítima de uma emboscada criminosa enquanto viajava de São Paulo ao Rio de Janeiro para gravar o último capítulo da novela Corpo Dourado, da TV Globo.
Brenner teria reagido ao ser atacado por assaltantes enquanto trocava o pneu do carro. A bala entrou na cabeça, atravessou o cérebro e parou na nuca, onde fragmentos do projétil permanecem alojados até hoje.
Foram quase três meses de internação. Nesse período, Gerson ficou uma semana em coma induzido e mais 15 dias em estado vigil, em que o paciente permanece inconsciente, porém, reagindo a certos estímulos. Houve também duas grandes cirurgias de risco e uma comoção que parou o Brasil.
Carreira interrompida e luta pela vida
Brenner estava em plena ascensão profissional. Antes de ir para a televisão, se destacou como modelo fora do Brasil, chegando a desfilar para o estilista francês Jean Paul Gaultier. Na telinha, já havia protagonizado novelas de sucesso. Na última, deu vida ao personagem Jorginho, um fazendeiro bronco e bonachão, que fazia par romântico com a atriz Danielle Winits. Mas foi em A Rainha da Sucata (1990), interpretando um dos "filhinhas" de Dona Armênia, personagem de Aracy Balabanian, que o ator conquistou o carinho e reconhecimento do público.
Vinte anos depois, Brenner ainda luta para se movimentar, falar e superar momentos críticos, como uma série de 12 convulsões quase fatais que teve em 2007. Nos dois últimos anos, foram incontáveis as internações por pneumonia. Uma delas o deixou hospitalizado 67 dias e, mais uma vez, perto da morte.
O drama do dia 17 de agosto de 1998 promoveu ainda uma série de polêmicas familiares envolvendo a Justiça, troca de acusações e disputa pela guarda de Brenner.
Sobrevivendo ao tiro
A chegada de Gerson Brenner ao Hospital Albert Einstein, em São Paulo, após um primeiro atendimento na Santa Casa de Misericórdia de Jacareí, movimentou a equipe do neurocirurgião Jorge Pagura em 1998. O estado do ator era extremamente crítico, comentou o médico. Controlar a pressão intracraniana de Brenner foi o principal desafio dos especialistas. “As chances de ele sobreviver eram de não mais que 5%, sendo bem otimista”, lembra Pagura.
Brenner passou por duas cirurgias. “Quando a gente fez a segunda, ele já estava com a pressão de perfusão do cérebro no limite mínimo, ou seja, já não tinha mais regulação cerebral. Ou a gente agia rápido ou iríamos perdê-lo. Então resolvemos operá-lo para tirar toda a parte de tecido necrosado que estava fazendo pressão. A operação foi salvadora”, contou o médico.
O neurocirurgião destacou que a reabilitação física e neurológica de Gerson nos primeiros anos após o acidente pode ser considerada surpreendente. “Não acreditávamos nem mesmo em sobrevida.” Segundo o especialista, as condições físicas e cardiológicas do ator também foram de extrema importância para ele suportar uma hipotermia induzida feita para diminuir os riscos de lesões neurológicas. E concluiu: “De um a dez, nove era a chance de ele não ter sobrevivido. E sobrevivendo, de um a dez, nove era a chance de ele ter um estado vegetativo persistente. Saiu de todas as estatísticas”.
Uma nova vida
Ao passo que Gerson Brenner ia se recuperando do trauma, uma grande polêmica veio à tona. O casamento de cinco anos do ator com a dançarina Denize Taccto chegava ao fim. Juntos, eles tiveram uma filha, Vitória, nascida logo após o assalto sofrido pelo pai. Na ocasião, Denize foi acusada pelos familiares dele de abandonar o marido. O caso ganhou destaque na imprensa.
"É muito triste porque a inverdade marca as pessoas. Ela carimba o caráter dela e uma realidade que não existe. Na verdade o que aconteceu foi uma decisão judicial que eu cumpri. Não existiu abandono. O juiz disse que eu cuidaria da Vitória, que era recém-nascida e que necessitava dos meus cuidados, e o Gerson ficaria com os familiares, porque precisaria de cuidados específicos. Por fim, eu acatei a decisão judicial", afirmou Denize.
À época, uma revista especializada em noticiar a vida de famosos publicou uma reportagem afirmando ainda que a dançarina manteve um relacionamento às escuras com um outro homem quando ainda estava com Brenner. A informação foi sustentada após o surgimento de um vídeo feito por um cinegrafista amador que mostrava Denize beijando um rapaz. A gravação, vista pela família do ator, deu início a uma série de acusações.
"Não acredito que ela foi capaz de fazer isso com meu irmão. Entendo que ela é uma mulher jovem e precisa de carinho e atenção, mas deveria ter saído dessa história com mais dignidade e, principalmente, respeitado meu irmão", comentou a irmã de Gerson Brenner, Cristina, à revista.
A disputa pela guarda do ator também se estendeu entre os familiares, causando discussões, discordâncias e conflitos entre os envolvidos, até que ficou decidido que o pai de Gerson, Arnaldo Santos, ficasse como responsável por tudo o que diz respeito ao filho. Em 2013, outro conflito. A família do ator não autorizou que Brenner participasse da festa de 15 anos da filha Vitória. Denize, mãe da jovem, queria que o ator, já vivendo em cadeira de rodas, dançasse uma valsa com a menina. Brenner foi impedido de ir por ordens médicas.
Quadro atual
Anna Karla Smith, neurologista e médica do sono que acompanha Gerson Brenner há três anos, concordou com a afirmação do neurologista Jorge Pagura sobre o ator estar fora das estatísticas. Ela disse que a vontade de Brenner em permanecer vivo é excepcionalmente forte perto do que já presenciou nos últimos tempos.
“De situações reais de escapar da morte, que eu me lembre, pelo menos umas três, quatro vezes. Foram quadros de frequência cardíaca baixíssima, de a gente pensar que o corpo dele não iria aguentar”, diz. “Cada vez que um familiar perdia a esperança, ele voltava. Há uma força interior muito grande.”
Para a neurologista, não há expectativa de grandes melhoras. O que existe são os cuidados paliativos feitos para melhorar a qualidade de vida do ator. Neste momento, o que preocupa os familiares é a falta de força na musculatura. A deglutição (ato de engolir), por exemplo, é uma delas.
O número de internações de Gerson nos dois últimos anos aumentou de forma relevante. Em dezembro de 2017, o ator precisou ser levado às pressas ao hospital porque teve uma broncoaspiração. Ele aspirou uma secreção, que além de causar pneumonia, obstrui as vias aéreas.
A volta do amor
Para amigos e familiares não há dúvida de que a qualidade de vida atual de Gerson Brenner é a melhor possível graças aos cuidados imprescindíveis da atual mulher, a psicóloga Marta Mendonça. Eles se conheceram dois anos após o acidente, na AACD (Associação de Apoio a Criança e Deficiente), época em que o ator frequentava o espaço e era atendido por ela.
“Era muito visível o jeito apaixonado que eles se olhavam”, entregou a filha mais velha de Gerson, a atriz Anna Haas. Marta contou que sofreu muito preconceito no início da relação, mas manteve a ética profissional e passou o caso dele para outro colega no momento em que sentiu que estava interessada pelo ator.
Para os mais próximos, Marta é uma espécie de anjo da guarda. Além de ser capacitada para cuidar do marido, é quem está à frente de tudo. “Se eu começar a pensar em tudo o que eu passei... passei por tantos preconceitos, que o que eu vivo hoje com o Gerson é o mais leve. Tive que optar entre ele e minha família. E eu fiz. Os cuidados e as limitações que ele tem para mim é o de menos”, disse ela.
Querido por todos
Brenner foi alçado ao sucesso em A Rainha da Sucata, novela de Silvio de Abreu, exibida pela TV Globo, em 1990. Na trama, ele interpretou um das “filhinhas” de Dona Armênia, papel de Aracy Balabanian, que divertidamente cuidava dos rebentos como se ainda fossem bebês. “Ele sempre foi um menino muito simples, muito querido e encantador. Fizemos teste juntos para a novela e, dali em diante, ficamos superamigos. Ele me assumiu inteiramente e eu a ele”, disse a atriz, que rapidamente emendou uma informação até então desconhecida por muitos. “Vários colegas não querem se meter, mas eu sou uma pessoa que quero. Falo com a Marta todos os dias. Quero saber como ele está e se está precisando de alguma coisa. Sempre que posso falo o nome dele, porque quero mantê-lo vivo, seja como for.”
Marcello Novaes e Jandir Ferrari, os dois outros “filhinhas” de Aracy na novela, da mesma forma, recordaram Gerson Brenner. “Ele sempre foi uma pessoa forte, não só fisicamente, mas também mentalmente. Era brincalhão, generoso”, relembrou Novaes. “O Gerson sempre pensou grande, do tamanho dele. Ele almejava uma carreira sólida, tinha muitos sonhos”, acrescentou o ator. “Recebi um telefonema, foi desesperador. Um horror, porque ninguém espera por uma violência tão grande”, lamentou Ferrari.
O sucesso de público do quarteto foi tão grande que, pela primeira vez na história da dramaturgia brasileira, os mesmos personagens retornaram à TV dois anos depois, só que em outra novela, desta vez, em Deus Nos Acuda.
“A gente jogava bola juntos. Gerson era uma pessoa sempre muito alegre quando chegava nos lugares”, recordou o ator Raymundo de Souza, companheiro inseparável de Brenner. “O Gerson era muito bonito, vaidoso demais. Ele chamava atenção por onde passava com aquela altura, aquela voz. Como homem era também muito dócil”, recordou a ex-mulher Denize Taccto.
“Eu gosto muito de fazer ele rir, eu o provoco muito. Nesses 20 anos eu fui muitas vezes visitá-lo”, disse o amigo e ator Alberto Baruque. “Um dia ele pediu pelo amor de Deus para eu ir até a casa dele. Ele queria que seus pais me conhecessem. Ele cuidava tanto de mim no estúdio que eu praticamente nem precisava andar, ele me carregava [risos]", reviveu a atriz Aracy Balabanian. “O Gerson era uma pessoa com um coração enorme”, contou Jandir Ferrari. “Ele é um guerreiro”, complementou Marcello Novaes.
O ator e o pai
As primeiras lembranças de Vitória, filha caçula de Gerson Brenner com Denize Taccto, sobre o pai, vieram aos oito anos de idade. “Minha mãe sempre me dizia que meu pai era conhecido, que ele era famoso, que sofreu um acidente. Sempre tive essa preparação para que, quando eu amadurecesse, tivesse discernimento", contou a jovem.
Ela relata que evita assistir às cenas do pai atuando. "Nunca gostei de ver nada antes. Eu já vi, claro, surge aquela curiosidade, até porque as pessoas ao redor diziam: ‘Seu pai era maravilhoso, seu pai era, era...’. O Gerson que conheciam, eu não conheci, são pessoas diferentes. Isso sempre me deixou com o pé atrás. Já pesquisei os trabalhos dele para matar a curiosidade, mas nunca gostei de me aprofundar. Não me faz bem ficar olhando quem ele era antes", explicou Vitória.
Ele não foi esquecido
Gerson Brenner não foi esquecido pelos amigos. Em dezembro de 2013, em seu aniversário, o ator recebeu em casa uma visita mais que esperada: a do amigo e ator Tony Ramos, de quem Brenner sempre foi muito fã. Os dois passaram uma tarde juntos, fizeram fotos.
Cada novidade na vida de Gerson Brenner sempre teve destaque da mídia. Também em 2013, Brenner foi surpreendido com a presença de Rodrigo Faro. O apresentador o levou para um passeio no Centro de Treinamento do Corinthians, time de coração, e ao palco do programa na RecordTV.
Em 2017, um empresário de São Paulo estendeu a mão ao ator em um momento de grande necessidade. Gerson ganhou um equipamento médico que precisava. O ator estava com dificuldades de ser transferido por cuidadores da cadeira de rodas para os espaços comuns da casa. O doador não quis se identificar.
O que diz o acusado pelo tiro
Em abril deste ano, o R7 esteve frente a frente com o acusado de ter atirado em Gerson Brenner. Em entrevista exclusiva realizada numa das salas administrativas da Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, Luzimar Sabino dos Santos disse que é inocente. "Pegaram o Gerson Brenner, assaltaram ele. A imprensa está fazendo de mim um monstro. Dói muito porque não fui eu. Não fui eu que cometi isso aí. Eu não atirei nele", disse, aos prantos. Além de negar o disparo, Luzimar ainda afirmou que nem sequer participou do crime.
A conversa com o preso durou cerca de 45 minutos. O que chamou a atenção foi ele demonstrar conhecimento de detalhes em toda a trajetória e fase de recuperação do ator. Comentou sobre a filha, Vitória, de 19 anos — “está grandona, está moça” — e sobre a mulher à época do crime, Denize Taccto — “Largou dele”. "Todo tipo de reportagem do Gerson Brenner eu vi. Quando passava novela, doía no meu coração, e ainda dói", disse.
Ainda com os olhos cheio de lágrimas, Luzimar reforçou não ter participado do crime. Pediu justiça e um novo julgamento. “Fui injustiçado pela lei do homem, do doutor Tourinho. Quero um novo julgamento. Não fui eu, pelo amor de Deus, me ajuda”, diz, em tom de desespero.
O delegado Marcos de Almeida Tourinho, de Guararema (Grande São Paulo), que apurou o caso na época, também falou ao R7. “Em 28 anos de polícia, eu nunca vi ninguém confessar. Todos negam qualquer tipo de crime.”