Nos tempos do rádio, Gil Gomes sabia usar o silêncio como poucos
O silêncio me fazia olhar para o rádio vermelho de meu avô à espera do desfecho, o último capítulo da narrativa
Ainda no tempo das ondas hertizianas, poucos souberam explorar tão bem a potencialidade da linguagem radiofônica quanto Gil Gomes, radialista que faleceu nesta terça (16), após decorrências do mal de Parkinson.
Conheci o repórter policial ainda menino, como ouvinte, quando a Rádio Record era absoluta e Gil Gomes brilhava ao lado de nomes como Zé Bétio, Eli Corrêa, Barros de Alencar e tantos outros. Ficava impressionado com as histórias, que mais tarde viria a saber que muitas vezes eram construídas de improviso em cima de boletins de ocorrência.
Havia a reportagem aprofundada com o olhar humano nas tragédias narradas por Gil Gomes: a triste infância do assassino frio depois de adulto, a criança sem pai que roubava no mercadinho e morreu jovem no tiroteio com a polícia. Tristes histórias cotidianas ganhavam novos contornos e capítulos.
A vida de gente abandonada pela sorte ganhava drama espetacular em meio a fundos musicais, vinhetas, trilhas de suspense, e a narração de estilo único. Mas também o silêncio. Sim, o silencio. Gil Gomes foi no rádio, ao lado de Hélio Ribeiro, mestre no uso do silêncio, e compreendeu como o vazio também impactava o ouvinte.
O silêncio que me fazia olhar para o rádio vermelho de meu avô à espera do desfecho, o último capítulo da narrativa.
Participação importante teve neste capítulo do saudoso rádio AM o sonoplasta Roberto Félix, parceiro de Gil Gomes no estúdio. A comunicação entre eles se dava pelo olhar, o que possibilitava a Gil Gomes se envolver tanto na história que a semiótica sonora se misturava ao calor que o jornalista sentia durante os programas, tanto calor que Gil Gomes ficava de cueca no estúdio.
Fui testemunha de strip-tease na Rádio Globo, quando ele apresentou o programa Rota 1.100. Primeiro tirava o relógio, depois a camisa e assim ia... Entre microfones, laudas, trilhas, fundos musicais e o silêncio, Gil Gomes lhes diz: bom dia.
*Paulo Lima, editor do R7, trabalhou durante 20 anos nas emissoras Jovem Pan e CBN.