Por que ‘A Natureza da Mordida’ só bombou neste ano se é o melhor livro de Carla Madeira?
Publicada em 2018 por uma editora independente, obra ganhou nova edição pela Record e conquistou público e crítica
Que me perdoe quem dorme com Tudo É Rio (2014) ou Véspera (2021) debaixo do travesseiro: a melhor obra de Carla Madeira é, definitivamente, A Natureza da Mordida.
É seu realismo desconcertante que obriga o leitor a se colocar no lugar do outro, desestabilizando as fronteiras entre o bem e o mal, se é que tal coisa existe.
Se nos outros dois livros a linguagem poética se mistura com um enredo fabuloso — direito até a desfechos de cunho moral —, este traz protagonistas que poderiam estar ali na banca da esquina. E estão.
Isso sem perder a característica que elevou Carla Madeira ao posto de melhor autora brasileira da atualidade: a capacidade de colocar em palavras emoções e sentimentos que nem sabíamos que tínhamos (mas agora que sabemos não podemos viver sem eles).
A primeira frase do livro já antecipa no que toda a história se apoia. Não é na falta, no remorso, na tristeza: é na perda. “O que você não tem mais que te entristece tanto?”
Quem pergunta é Biá, uma psicanalista aposentada que sofre de Alzheimer, ao encontrar a jovem jornalista Olívia sentada na livraria que as duas frequentam.
Elas ficam amigas e seus relatos passam a se alternar, dando forma aos capítulos do livro. Ambas perderam pessoas muito importantes para elas.
Enquanto as anotações de Biá são esparsas, confusas e parecem escorrer aos dedos, assim como sua memória, a trajetória de Olívia é clara e firme, mas não por isso menos dolorosa.
Extremamente feminina, a narrativa coloca o sacrifício materno no centro do novelo de onde as outras questões se desenrolam.
Mas isso demora um pouco para ocorrer. E talvez seja o motivo pelo qual Tudo É Rio e Véspera tenham emplacado antes.
Publicado em 2018 por uma editora independente, A Natureza da Mordida ganhou edição pela Record só em 2022.
Passada a página 2, contudo, as camadas são muito mais profundas. Não é bem aquele tipo de livro para ler na praia, se é que você me entende.
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