Por que ‘O Quarto ao Lado’, de Almodóvar, não traz nada de novo e ainda assim é ótimo
Filme baseado no livro ‘O que Você Está Enfrentando’, da americana Sigrid Nunez, estreia hoje com Tilda Swinton e Julianne Moore

Vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza deste ano, O Quarto ao Lado estreia hoje nos cinemas carregado das características que fazem de seu diretor, Pedro Almodóvar, o rei do melodrama: paixão, morte, relações mal resolvidas, humor irreverente, mise-en-scène intenso e, claro, personagens femininas fortes.
É inegável que a dupla principal, interpretada por Tilda Swinton e Julianne Moore, brilha no filme, o primeiro do espanhol falado em inglês — no maior estilo um hispânico em Nova York. Com enquadramentos majestosos e cores vibrantes, a produção é ótima, claro. Mas não traz nada de novo aos acostumados ao trabalho de Almodóvar.
Aí vocês vão me xingar, mas vão me entender.

O enredo, inspirado no livro O que Você Está Enfrentando (R$ 69,90, 176 págs., Instante), de 2021, da americana Sigrid Nunez, tem alguns pontos altos e passagens curiosas, porém fica longe de arrebatar. Não vá ao cinema esperando isso. Como aqueles finais chocantes de A Pele que Habito ou Volver (não vou dar spoiler), por exemplo. Agora, se quiser dar algumas risadas, sairá satisfeito.
Na trama, Tilda Swinton é Martha, uma correspondente de guerra reconhecida internacionalmente que sofre de câncer terminal. Ela até tenta um tratamento novo, mas não obtém sucesso e se resigna facilmente: decide programar sua própria morte, antes de começar a sentir os sintomas dolorosos da doença. Vai lá e compra uma pílula fatal na deep web.
Também jornalista, a personagem de Julianne Moore, chamada Ingrid, é uma escritora bem-sucedida que vai visitar a amiga após anos sem vê-la. Muitos anos.
Conversa vai, conversa vem, Martha lança sua cartada, forçando a amizade sem nenhum pudor: diz à amiga (aí o espectador já fica naquela dúvida: “Mas é amiga mesmo? Não está mais para colega? Conhecida?”) que quer uma mãozinha para dar um fim à própria vida. Assim, sem rodeios, já com o plano todo em mente.
A escritora fica chocada de início, mas acaba topando, mais por ética do que por vínculo com a doente. E revela uma improvável disponibilidade de agenda.
A ideia é viajar para uma casa no campo perto de Woodstock e ficar lá até que a correspondente famosa se sinta confortável para pôr fim à própria guerra. Ingrid estaria ali, no quarto ao lado, só dando um apoio moral mesmo. Como é bom ter dinheiro.
Daí para o fim, a grata surpresa é a participação de John Turturo como Damian, que surge para Martha ter com quem falar e fazer a graça de já ter dormindo com as duas — sortudo.
Dizer mais estragaria. Estragaria?