Ska contra o ódio: a banda brasileira que há 30 anos desafia boicotes, algoritmos e gravadoras
Com três décadas de estrada, a banda Skamoondongos lança o EP “Ocupar e Resistir”, reafirmando a importância da música independente como ferramenta de transformação social e combate ao discurso de ódio na era digital.
RESUMO DA NOTÍCIA
Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7
Celebrando 30 anos de carreira, a Skamoondongos é uma das bandas mais representativas do ska brasileiro. Nascida na zona norte de São Paulo, a banda construiu uma trajetória baseada na resistência artística, na coerência ideológica e na força da autogestão.
Mesmo passando pelo mainstream, os Skamoondongos sempre conduziram a carreira de forma independente, organizando seus próprios shows, produzindo seus materiais e mantendo viva a filosofia do “faça você mesmo”.
O grupo faz parte da chamada ”terceira onda do ska" — ritmo criado na Jamaica a partir da fusão entre o Mento tradicional, o Calipso caribenho e o Swing Jazz norte-americano, que deu origem também ao Rocksteady e ao Reggae. Ao longo do tempo, o ska se expandiu em diversas vertentes, como o Two Tone inglês, o Ska Jazz e o Ska Punk, que é onde a Skamoondongos encontra a sua verve principal.
Com 30 anos de estrada, a banda apresenta sua nova formação composta pelo membro fundador Wellington de Mello (Bateria), junto com Fábio Prandini (Voz), Roddy Sonnesso (Trombone), Nicolas Miranda (Guitarra), Muka Badelatto (Trompete), Anderson Buda (Baixo), Rodrigo Pera (Teclado e Gaita) e Marcão Lespier (Sax). Com essa formação, lançaram “Ocupar e Resistir”, um álbum EP em vinil 7” polegadas.
O design é assinado pelo guitarrista Nico Miranda em parceria com o artista Felipe Gomes, com fotos por Biano Mendes, que completam o projeto gráfico. O trabalho reúne quatro faixas que condensam a energia da trajetória do grupo e antecipam o próximo álbum — em fase de finalização. O EP marca uma nova fase e conta com participações de peso, como a de Rodrigo Lima (Dead Fish) e Clemente Nascimento (Inocentes/Plebe Rude).
Nesta entrevista, a banda fala sobre sua identidade musical, compartilha os bastidores do novo EP e reflete sobre os caminhos da resistência no cenário independente.

Musikorama: Vocês fazem ska com questionamentos político-sociais. Daí vem a aproximação de vocês com o movimento punk?
Skamoondongos: Sem dúvida. O ska tem muito disso. Ele nasceu na Jamaica como uma música de libertação da colônia inglesa. Lá atrás, na década de 60, isso já estava dentro do ska: contestação sobre problemas sociais, luta racial, luta econômica, escravidão, possessão, imperialismo e tantas outras coisas. Na terceira onda do ska, revisitamos isso e levamos como emblema. O som da Skamoondongos traz o positivismo do ska — um ritmo enérgico e contagiante, mas com a consciência de ter letras que apontam para questões sociais, políticas e humanitárias.
Musikorama: Sobre o tema do disco, “Ocupar” o quê e como?
Skamoondongos: Acho que é ocupar tudo que for possível. O discurso de ódio ganhou força e está ocupando lugares que não deveria. Nós, que temos um pensamento libertário e progressista, precisamos ocupar e resistir esses lugares. Nosso discurso precisa voltar a conversar com quem se tem que conversar sobre essa realidade. “Ocupar e Resistir” é também as bandas, os artistas, os jornalistas, os fotógrafos ocuparem os lugares. É realmente retomar tudo o que é nosso. Botar na rua o discurso do humanismo, o iluminismo e tudo aquilo em que acreditamos. Falar com quem tem que ser falado. Não deixar essa opinião de ódio vencer.
O fascismo não habita o mesmo universo que estamos habitando agora, que é o do debate de ideias, raciocínio lógico, ciência, filosofia, ética, antropologia.
Musikorama: Entendo. Recentemente publiquei um artigo em memória à Preta Gil, conectando com a luta da minha esposa contra o mesmo câncer. Recebi ataques nas redes de pessoas que, por divergência política e religiosa, reagiram com agressividade.
Skamoondongos: Primeiro de tudo, o nosso abraço e fé na cura, porque a cura é mental e de energia. A dor que você sente é a dor que nós sentimos. Estamos falando de humanismo. O fascismo não habita o mesmo universo que estamos habitando agora, que é o do debate de ideias, raciocínio lógico, ciência, filosofia, ética, antropologia. Ele é força, é estupidez. Se você apresenta números, ele rebate com agressividade. Se você apresenta ciência, conhecimento, ele rebate com agressividade. Um pensador antifascista, Buenaventura Durruti, diz que o fascismo não se discute, se combate, exatamente por não estar no âmbito das ideias. Contra a ignorância não existem argumentos. Sentimos muito que essas pessoas tramem e conduzam sua falta de informação para religiões ou opiniões políticas deturpadas. É tanta estupidez, tanta grosseria, tanta distopia... Muita coisa junta: frustração, falta de informação, fake news, descrença... Sinto muito pelos ataques pessoais em um momento difícil.

Musikorama: Obrigado pelas palavras. Sobre o teor das letras de “Ocupar e Resistir”, há também críticas ao universo digital e domínio das bigtechs. Mas o mercado da música hoje é predominantemente digital. Como lidar com isso?
Skamoondongos: O simples fato de lançarmos um vinil numa era digital já mostra nossa visão. Vemos algoritmos promovendo artistas fabricados por fábricas de composição, enquanto há uma nova geração buscando o orgânico, o humano, o sentimental. Nossa música “Binário” critica o uso perverso da tecnologia, que em vez de unir, é usada para atacar até a dor da perda por uma doença. A inteligência artificial tem lados positivos, como contribuir para vacinas, mas também é usada por núcleos que disparam fake news, manipulam a mídia e promovem linchamentos virtuais. A vida real é real. Uma banda de 30 anos se sustenta com trabalho honesto, não com mentiras. A crítica não é à tecnologia em si, mas à perversão humana — porque não existe IA sem inteligência humana, mas existe a perversão humana. A internet deveria ser um espaço de acesso livre, mas virou campo de ódio e idiotice. Vivemos um tempo em que “diz a verdade quem mentir primeiro”. Mas a verdade, essa, continua sendo analógica.
Vivemos um tempo em que ‘diz a verdade quem mentir primeiro’. Mas a verdade, essa, continua sendo analógica.
A Skamoondongos propõe uma reflexão crítica sobre o uso das novas tecnologias, especialmente a inteligência artificial, destacando que o problema não está em seu desenvolvimento, mas na forma como têm sido aplicadas. Com a experiência de quem atravessou diferentes fases da indústria fonográfica — do monopólio das gravadoras aos home studios e plataformas digitais —, a banda reconhece o potencial libertador da tecnologia para gerar autonomia e renda, mas alerta para seus efeitos excludentes, como a disseminação de ódio e a criação de falsas credibilidades.
Musikorama: A Skamoondongos atravessou diferentes eras da indústria musical — do vinil ao CD, do download ao streaming. Qual é o segredo para manter a longevidade, a relevância e a conexão com o público ao longo de três décadas?
Skamoondongos: A gente nunca deixou de estar onde as coisas realmente acontecem — e isso é onde não há saída, onde se precisa improvisar. Quando dizemos que somos ska punk, é porque o ‘do it yourself’ está com a gente o tempo inteiro. Tivemos contrato com a Paradox Music, que nem existe mais, e um namoro sério com a Sony. Em uma conversa de diretores lá de fora, fomos engavetados por acaso e cumprimos um ano e meio de contrato ‘comendo capim’. Nossa sorte foi nunca ter fechado a porta para o underground. Tocamos em grandes festivais, abrimos para David Bowie, No Doubt… mas também fizemos shows para menos de mil pessoas. Sacamos o que estava acontecendo. O finado Escova, da Máfia e do Trio Mocotó, foi visionário com o projeto MP3 Clube — muito antes do Spotify. Entramos nessa e isso nos manteve acesos na transição para o digital. Mas o grande pulo do gato foi com o saudoso Redson Pozzi, do Cólera, que nos ensinou a como viver de banda. Ele vivia só do Cólera e produzia tudo: disco, adesivo, camiseta, sacola retornável... Criou uma banca de merchandising com preços acessíveis que fazia girar a engrenagem. Essa foi a maior lição que ele nos deu: criar uma renda paralela para manter a banda, independente de gravadora ou agenda de shows.

Musikorama: Fui muito impactado quando, com uns 15 anos, assisti a um show do Cólera na ‘Praça do Forró’, em São Miguel Pta — ele cantando “Pela Paz em Todo Mundo”. Aquilo me impactou. É legal termos lembrado do Redson aqui. E hoje, em termos de mercado, como está o movimento do ska?
Skamoondongos: Existem muitas bandas, mas ainda é cedo pra dizer que há uma cena consolidada. Quando começamos, em 95, também não existia. Tivemos que romper o preconceito de que o ska era ligado à extrema direita no meio punk. Nosso primeiro contato com o ska foi ainda na infância, com Mauricinho, dos Inocentes, e meu tio Miro de Mello. No começo, era duro: éramos garotos de 17 ou 18 anos dividindo palco com gigantes como Sepultura e Korzus, tendo que nos impor na marra. Tocamos em todas as cenas, com todas as bandas, e a única forma de formar público era tocando sem parar. Fomos abrindo caminhos para que hoje, bandas fantásticas como a Maga Rude, ou nossos irmãos da Sapo Banjo, encontrem mais espaço. Ainda não há uma cena estruturada, mas há quem trabalhe por ela. Somos uma banda de ideias e ideais dentro do ska, e isso faz diferença. Algumas bandas são diferentes do que acreditamos, mas isso não impede que abramos portas para elas. Estaremos na linha de frente sempre.
O segredo para ser dono da sua boca, é alinhar discurso e prática, e monetizar o que se acredita.
Musikorama: Recentemente, um importante festival de rock em São Paulo-SP, anunciou que artistas seriam multados e cortados caso fizessem discursos políticos no palco. Enquanto isso, vocês defendem abertamente a arte como ferramenta de debate social e político. Como lidam com esse tipo de cerceamento para seguirem na expansão de alcance do discurso de vocês?
Skamoondongos: Temos uma total autonomia que levou tempo para ser construída. Uma banda com 30 anos entende como o sistema funciona — já tivemos até o som do nosso show cortado por cantar contra a “TFP — Tradição, Família e Propriedade” em um festival. Aprendemos ali o preço de ter voz. O segredo para ser dono da sua boca, é alinhar discurso e prática, e monetizar o que se acredita. Para as bandas vencerem isso e terem autonomia para se expressarem, não podem depender da Secretaria de Cultura. A Lei Anti-Oruam, por exemplo, que atinge muito o funk e o trap, pode atingir a todos os estilos, inclusive o nosso. Não temos medo, pois do mesmo jeito que tocamos no mainstream, vamos tocar no underground; nunca fechamos a porta. Fizemos nosso show de 30 anos no SESC com a bandeira da Palestina no palco — não como provocação, mas como símbolo de liberdade. Liberdade de todos os povos oprimidos e do imperialismo: da invasão da África, aos povos originários do Brasil. Essa simbologia carrega muitas outras coisas. É um discurso duro? Sim. E para sustentar esse tipo de posicionamento, é preciso construir autonomia real. O mercado é especialista em transformar discursos em produto pasteurizado. É preciso estar atento para não ser engolido.

Musikorama: Vocês emanam o “faça você mesmo” e ocupam as posições de gestão da própria carreira. Como funciona essa infraestrutura?
Skamoondongos: Propomos a autogestão dentro da banda. Cada um tem uma função. Buda (baixista) cuida da agenda e é o nosso manager. Nicolas (guitarrista) é o nosso design gráfico e designer de produtos. Todos contribuem também com seus olhares na criação das obras. O Pera (tecladista/gaitista), traz uma visão diferente por ser professor. Já o Marcão (sax) tem uma opinião mais social por estar no MTST. Sempre há cabeças pensando e contribuindo na autogestão e progresso da banda. Sobre produção musical, tudo é assinado pela banda. Durante a pandemia, nós produzimos muita coisa, principalmente Wellington e Nicolas. Escrevemos muito, impactados com a quantidade de gente que morreu, a inércia e a condução da pandemia pelo governo. O Wellington tinha acabado de ter uma filha. Seu sustento vem do mercado de eventos, então foi um desespero. Desse cenário nasceram milhares de composições que o Nicolas, o Rodrigo e o Sonnesso musicaram junto com nosso parceiro Márcio Fideles. Wagner Bagão, nosso guitarrista lá atrás em 95, que produziu coisas conosco e depois migrou para a música eletrônica, se juntou com a gente para produzir esse disco. O Nicolas produziu muito com Wagner Bagão, e o Wellington contribuiu com opiniões. Produzimos tudo em núcleo, respeitando uns aos outros, tentando construir a “oito mãos”.
Musikorama: É o do it yourself elevado ao máximo. Este EP é uma premissa do que está por vir. O que podemos esperar da Skamoondongos para os próximos meses?
Skamoondongos: Estamos em comemoração de 30 anos, muito felizes. Este é o momento mais maduro da banda. Descobrimos uma maneira de produzir o trabalho e condensar o que fazemos no estúdio e no palco nas mídias, tanto vinil quanto plataformas digitais. Com esse pensamento, já temos um disco pronto para finalizar. Lançaremos até o final do ano e o álbum cheio, com 10 músicas, acompanhado de um DVD ao vivo. Estamos discutindo os últimos detalhes que dará o tom desses 30 anos. A ideia é condensar no álbum, as letras da agonia da pandemia junto com temas novos da realidade do novo dia a dia. Nosso pensamento iluminista, a esperança de que as pessoas evoluam, que possamos trazer consciência através da música que produzimos.
Musikorama: Para encerrarmos, vocês disseram que as próximas músicas abordarão discussões mais atuais. Como estão construindo a coesão entre os temas das eras pandemia e pós-pandemia?
Skamoondongos: Infelizmente, os períodos se convergem, Digão. Acreditamos que um cadeado foi quebrado, libertando algo que não deveria. Algo de que todo mundo se envergonhava e que agora se desavergonhou. Está muito difícil devolver essa monstruosidade para onde ela tem que ficar. Esse fascismo, esse discurso de ódio, essa desinteligência, esses ignóbeis, têm produzido assuntos cada vez mais urgentes. Não foram só os 600 mil mortos, a propina da vacina, o escândalo de jóias, roubar aposentados, nos matar de fome, o desmonte das leis trabalhistas. Temos muitos assuntos para discutir sobre isso, a cada dia. Por isso, levar o pensamento libertário, o Iluminismo, o humanismo, a construção de sociedades que tragam equidade para a humanidade, principalmente para o Brasil, são urgentes para nós. Acreditamos que o trabalho do artista é ser o megafone da sociedade.

Aos 30 anos de estrada, a Skamoondongos segue firme como uma banda que transforma vivência em discurso, e arte em resistência. Com coerência, autonomia e consciência social, o grupo reafirma seu compromisso com o pensamento da construção de um mundo mais justo por meio da música. “Ocupar e Resistir” não é apenas o nome de seu álbum, mas uma filosofia de vida seguida pelos membros, que atravessa gerações e se mantém atual diante dos desafios sociais e culturais do Brasil contemporâneo.
Assista ao clipe de “Ocupar e Resistir” feat Rodrigo Lima no player abaixo e siga a Skamoondongos nas redes sociais e plataformas digitais para acompanhar essa trajetória admirável.
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