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Perto de US$ 1 bilhão, 'Barbie' atinge seu objetivo ao fazer da boneca uma heroína feminista

Filme faz a boneca virar 'gente como a gente' e lota cinemas nos quatro cantos do planeta

Odair Braz Jr|Do R7


Barbie (Margot Robbie) em sua Barbielândia
Barbie (Margot Robbie) em sua Barbielândia

Lá se foram duas semanas após o lançamento de Barbie nos cinemas e já é possível afirmar que o filme é um fenômeno cultural de proporção mundial. E também dá para dizer que a produção atinge em cheio seu objetivo, que é o de normalizar ou de limpar a barra da boneca mais famosa do mundo, numa operação que é um verdadeiro greenwashing — uma espécie de distração para os impactos reais causados por um produto — promovido pela fabricante Mattel.

Seja como for, Barbie é, no geral, bem-acabado e tem o mérito de colocar em pauta — ainda que de maneira protocolar — para milhões de pessoas uma discussão importante sobre feminismo, patriarcado, o papel da mulher na sociedade, opressão masculina, capitalismo desenfreado e por aí afora. O filme não apresenta nenhuma grande novidade sobre todos estes temas, não se aprofunda, mantendo uma superficialidade intencional, mesmo porque é um filme sobre a Barbie, certo? Talvez não seja mesmo o lugar apropriado para mergulhar a fundo nestes temas, mas apenas usá-los para suas próprias intenções.

Bem longe de ser a obra-prima do século 21 que influenciadores americanos e a campanha gigantesca de publicidade quiseram fazer parecer, o longa consegue divertir e fazer pensar ao mesmo tempo. O que não é pouca coisa para um blockbuster, mas não é tudo para transformá-lo em algo irretocável e perfeito. Apesar disso, o roteiro é bem esperto, ágil e cheio de sacadinhas interessantes e que, em alguns momentos, faz rir. Escrito pela também diretora Greta Gerwig e por seu marido, Noah Baumbach, a história mostra Barbie na Barbielândia, um mundo todo rosa e cheio de plástico onde as bonecas — de todos os tipos e profissões — reinam absolutas. Ken — são vários deles — é apenas um boboca descerebrado cuja única função é ser notado pela Barbie.

Margot Robbie, a Barbie padrão, é quem comanda este universo próprio das bonecas onde tudo anda bem, é colorido e festivo. O Ken principal é interpretado por Ryan Gosling, que consegue dar a ideia de um sujeito bobão e vazio, como sempre foi o namorado da boneca. Os dois atores estão ótimos, foram muito bem escalados e dão show durante toda a exibição do longa. Ambos chegam a ser espantosamente bons em seus respectivos papéis, mas nada que justifique indicações de Oscar, como muita gente já andou pedindo.

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A questão toda no filme começa quando a Barbie padrão sente que não está funcionando direito, com pensamentos sobre morte e com seus calcanhares tocando o chão — coisas inéditas para a boneca. Em conversa com a divertida Barbie Bizarra (Kate McKinnon), a versão clássica descobre que tem de ir para o mundo real para resolver seu problema. O "distúrbio na Força" acontece porque a garota que é dona da Barbie está atravessando um período difícil, o que se reflete no funcionamento da boneca. E assim acontece, com Barbie em seu carrinho de plástico atravessando seu mundo junto com um indesejado Ken a tiracolo.

No universo real, Barbie e seu amigo/namorado têm um choque de realidade. Ela descobre que nenhuma menina acima de 5 anos brinca com a boneca da Mattel, que há quem a considere meio fascista e também percebe que as coisas são um pouco diferentes para as mulheres aqui deste lado. Ken também sente o impacto, mas para ele a revelação é no sentido oposto: o bonecão descobre o patriarcado e o poder que os homens têm por aqui. Mais do que rápido, o sujeito passa a agir como um machista-hetero-babaca.

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E é aí que começam os problemas de Barbie. O roteiro apresenta um volume gigantesco de situações e discussões e acaba não dando conta de tudo. Sem dizer que generaliza muito, nivela por baixo e acaba deixando vários elementos mal explicados. Na sua ânsia de abranger assuntos importantes e complexos — feminismo, patriarcado, machismo, maternidade, adolescência —, Greta Gerwig faz tábula rasa. Nada se aprofunda e as boas ideias vão ficando pelo caminho. Claro que há destaques, o Ken machista surge de forma sensacional e rende momentos hilários que provocam gargalhadas e que devem mesmo fazer machistões de plantão — que por acaso tenham ido ver o filme — se contorcer na poltrona do cinema.

Só é uma pena que o roteiro não prime pelo acabamento. Não há sutileza, mas sim um maniqueísmo do mais básico, um preto no branco que não existe na realidade. Mas, de novo, talvez um filme da Barbie não seja o palco ideal para discussões profundas, até por falta de tempo. Só que o longa se propõe a falar exatamente sobre isso, no que acaba escorregando em sua própria casca de banana. O roteiro de Greta saiu imperfeito, deixando lacunas, perguntas sem resposta e promessas que não se cumprem.

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Por exemplo, não ficamos sabendo por que é uma ameaça a vinda de Barbie e Ken para o nosso mundo. O que é que a Mattel tanto teme? É citado um evento anterior, no passado, onde uma outra Barbie invade a realidade. Que evento foi esse? O que aconteceu? Outra questão: as Barbies têm conhecimento do mundo real? Sabem o caminho para chegar até aqui? Que trajeto é este que liga os dois universos? Não há explicação. Os roteiristas também, ingenuamente, representam a Mattel e seus diretores como um bando de panacas. Essa imagem é totalmente incompatível com o que a empresa e seus executivos são na realidade. 

É verdade que as boas ideias, referências, brincadeiras, piadinhas, direção de arte (a Barbielândia é realmente bem bonita) até superam as bobajadas que aparecem no meio do caminho. O discurso de America Ferrera — a humana dona da Barbie padrão — é um momento inspirador e tocante, um dos pontos altos do filme e, pode-se dizer, histórico. O saldo é positivo, mas não dá para indicar Greta e seu marido ao Oscar, por exemplo. Talvez ao Globo de Ouro, no máximo.

Mas a grande questão de Barbie é que foi recebido como um libelo da causa feminista, o que até é, mas usa esta temática para limpar a barra da boneca mais famosa do mundo. Barbie, o brinquedo, sempre foi acusado com razão, durante décadas, de ser uma personagem quase nociva às mulheres e meninas. Representava um tipo ideal inatingível — branca, loira, linda, de olhos azuis, rica. Era um brinquedo opressivo mesmo. O filme muda tudo isso, faz Barbie ser legal, diversa e até humana. A produção é, assim, uma grande cirurgia plástica, um greenwashing que normaliza a boneca para uma nova geração de consumidoras. Um "barbiewashing" que usa o feminismo para isso. É um plano espertíssimo da Mattel — até mesmo genial —, e que já mostrou que deu resultado, uma vez que a produção já se aproxima do US$ 1 bilhão. A fabricante, inclusive, faz piada e ri de si mesmo, o que a torna simpática aos olhos do público.

Assim, agora, Barbie é cool, representa todas as mulheres e volta a ser vendida aos montes. Neste sentido, o filme de Greta Gerwig é um produto de marketing perfeito. Mas era isso o que a diretora queria? Tenho minhas dúvidas.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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