Crítica social da Tuiuti é volta por cima após tragédia de 2017
Depois de acidente no Carnaval, escola volta à Sapucaí com crítica social, vampirão presidente e fantoches batedores de panela
Ziriguidum|Thiago Calil
Em 1988, ano em que se comemorou o centenário da assinatura da Lei Áurea, a Mangueira fez um de seus carnavais mais memoráveis. A escola questionou se o documento de fato trouxe igualdade social no Brasil. O próprio samba já era provocador, com versos como "livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela", "será que já raiou a liberdade ou se foi tudo ilusão" ou ainda "hoje, dentro da realidade, onde está a liberdade? Onde está que ninguém viu?".
Passados 30 anos, o documento assinado pela princesa Isabel voltou a ser enredo na Marquês de Sapucaí, com o mesmo tipo de questionamento: Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?. O tom contestador do desfile mostra que pouco mudou no País nesse período. Mas a crítica da escola foi além: hoje a dominação social não atinge só os negros. Somos todos vítimas da manipulação de poder, da corrupção e outros tipos de violência. Embora essa não seja física, como na escravidão, nossos feitores usam terno e gravata e nos prendem com outras correntes.
Foi uma provocação clara, direta e endereçada a quem a carapuça servisse. Coisas que o Carnaval nos permite fazer muito bem. Foi "tiro" para tudo quanto é lado. Os manifestantes que pediram o impeachment de Dilma Rousseff e nunca mais voltaram às ruas foram retratados como marionetes em patos de borracha e batendo panela. A ala Guerreiros da CLT questionou as mudanças na lei trabalhista, com direito à carteira de trabalho suja, rasgada e queimada.
E o símbolo maior da provocação foi o destaque da última alegoria: um vampiro usando faixa presidencial e com adereços imitando notas de dólares. Bem clara a referência, não?
Por conta disso, o desfile foi o mais comentado da noite. Está repercutindo durante todo o dia nas redes sociais. Como é bom ver a irreverência aliada à contestação de volta à avenida.
A apresentação que já entrou para a história da escola marca um renascimento da Tuiuti. Vale lembrar que, em 2017, ano em que retornou ao Grupo Especial após muito tempo fora, a última alegoria da escola se chocou contra uma grade no momento de entrar na avenida. Mais de 20 pessoas ficaram feridas gravemente e uma morreu dois meses depois.
Contestar a sociedade atual foi uma bela forma de voltar à Sapucaí. Se no ano passado o desfile causou vítimas físicas, em 2018 a escola deixa uma bela reflexão social e, no máximo, uns ferimentos morais para quem se identificou com as críticas.
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