Sobre quando os sambas são sentenciados à morte
Ziriguidum|Do R7
Atenção: este texto contém dose elevada de drama e pode causar irritação em pessoas sensíveis a isso!
Eu não sei vocês, mas eu adoro uma eliminatória de samba-enredo. De todas as escolas. Fico tentando prever qual vai ser o escolhido, que vai embalar o Carnaval do ano seguinte. E, nessa fase, é natural que a gente se apegue a uma ou duas composições. Até aí, beleza.
Só que a escola vai e escolhe o outro samba. Isso, um terceiro. Não aquele que você gostou e quer ouvir em replay durante setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. Ela pegou outra obra para chamar de sua e te deixou lá, sem rumo, desamparado.
São muitos os critérios que podem ser levados em consideração nessa hora. Tem agremiação que se baseia apenas na vontade da comunidade. O que a maioria quiser é o que vai ser. Em outras, eles buscam a composição que mais tenha “a cara” daquele pavilhão, seja lá o que isso seja de fato. Tem quem opte pela letra que melhor explique o enredo ou a melodia mais animada. Ou, ainda, todas as alternativas anteriores.
Eu começo pelo refrão de cabeça, aquele que é o primeiro a ser cantado, o que mais marca o samba. Para mim, tem que ter uma letra fácil de cantar, uma melodia para cima. Pode ser chiclete, só não dá para ser enjoativo (afinal, são dezenas de repetições na avenida).
Por que isso? Pois é a parte mais importante da música. É quando os foliões, os que estão na avenida e os da arquibancada, vão explodir de alegria, de entusiasmo, trocar uma energia sem igual.
Um exemplo óbvio recente? Vila Isabel em 2013, um dos melhores dos últimos anos.
“Festa no arraiá é pra lá de bom. Ao som do fole, eu e você. A Vila vem plantar. Felicidade no amanhecer.”
Tem os clássicos. “Me leva que eu vou, sonho meu, atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”, da Mangueira (1994), e o hino das arquibancadas “Explode coração na maior felicidade. É lindo o meu Salgueiro contagiando e sacudindo essa cidade” (1993).
Depois eu vejo o refrão do meio. E uso o mesmo critério. Afinal, não adianta o povo ficar animado no começo e morrer no resto do samba.
Por fim, vejo a melodia dos versos do miolo da obra. Passado esse critério, presto atenção na letra para ver se faz sentido, se não há abuso de rimas óbvias, se não há erros de concordância, etc.
Acredito que o samba é, sei lá, uns 40%, 50% do Carnaval. Ele empurra os foliões, levanta a escola, anima os jurados... Ninguém em sã consciência quer deixar os jurados desanimados, né?
Mas, enfim, independentemente do critério utilizado, a escola vai lá e define um samba que não é o que você queria. Claro que, quando o CD do Carnaval sair e os ensaios começarem, a gente até vai se apegar ao vencedor. Mas, até lá, fica o luto.
O que acontece com uma composição que perdeu? Ela morre! É enterrada em um canto qualquer da história e fica lá, condenada ao anonimato e silêncio eterno.
Já parou para pensar em quantas obras incríveis você deixou de conhecer porque elas perderam a final que você não foi assistir?
Já avaliou quantas possibilidades, o quanto você deixou de dançar, de cantar simplesmente porque gostou mais do samba que perdeu? Sem falar no sonho frustrados dos compositores...
Mas faz parte do jogo. E a gente sobrevive a isso.
E viva o acervo carnavalesco maravilhoso que vai se formando nos botões do YouTube.
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