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Patricia Lages

Análise: por que a corrupção está tão enraizada em nossa sociedade?

Em todos os níveis sociais e culturais, a corrupção está presente, variando apenas nas proporções e aplicações. E a pergunta é: onde vamos parar?

Patricia Lages|Do R7

Corrupção está em todos os níveis sociais
Corrupção está em todos os níveis sociais

Certa manhã, eu e meu marido estávamos indo para uma reunião e, como de costume, enfrentando o anda-e-para do trânsito de São Paulo. Em dado momento, paramos ao lado de um catador de papelão que estava fazendo a festa em frente a um prédio onde havia uma pilha grande de caixas.

Observando o trabalho do catador, vi que ele era bem organizado: desmontava as caixas e as separava por tamanho, colocando as grandes no fundo da carroça e forrando as laterais com as médias. Mas achei muito estranho que, antes de carregar a carroça com as outras caixas, ele começou a molhá-las na sarjeta. Mostrei para o meu marido e, então, surgiu esta conversa que vou chamar de “diálogo da decepção”:

“Olha o que aquele cara tá fazendo! Ele tá molhando o papelão todo, ele é maluco?”

“Ah, Paty... Você não sabia que eles fazem isso?”


“Isso o quê? Estragar a própria mercadoria? A intenção não é vender?

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“Paty, papelão é vendido por peso, eles molham pra pesar mais e ganharem mais.”


A verdade é que somos passados para trás tantas vezes por dia que nos acostumamos a viver no meio do engano. Pior que isso é o fato de que muita gente acaba ficando sem referência de certo e errado. Digo isso porque comentei essa história em um curso que ministrei dias depois e alguns alunos justificaram a ação do catador, dizendo: “Ah, coitado... Ele é pobre, né? Vai ver estava precisando...”

É desse tipo de pensamento que nasce a aceitação da corrupção, afinal de contas, ser pobre é licença para defraudar os outros desde quando?


O catador estava tão confortável com o que estava fazendo que não pensou, nem por um minuto, que estava no meio de uma rua movimentada, onde podia ser visto por um monte de gente. Provavelmente porque ele nem sequer ache aquilo errado e pense: “Preciso de dinheiro, vi aquela água toda dando sopa e aproveitei a oportunidade!”

Pois esta foi a mesma justificativa usada pelo superintendente de uma empresa onde trabalhei quando foi pego roubando a companhia em alguns milhares de reais: “Fiz porque precisei do dinheiro, vi aquela quantia toda dando sopa e aproveitei a oportunidade!”

E a minha pergunta é: há diferença entre um caso e outro? Claro que não! Porém, muita gente defende o pobre que “roubou pouquinho” ou que “roubou para comer”. E é aí que mora o perigo, pois todas as pessoas que enganam, roubam e agem de maneira fraudulenta também têm uma justificativa que lhes parece plausível.

O funcionário enrola no trabalho e diz que é porque o patrão é má pessoa. O servidor público atende mal porque o governo rouba milhões, mas paga salários baixos. O mecânico troca peças que estavam em bom estado e superfatura o serviço porque tem que pagar o aluguel. O empresário sonega impostos porque precisa lucrar mais para manter as portas abertas.

Enfim, a essa aceitação de delitos “justificáveis” faz o senso de justiça de muitos tomar rumos tortos, achando “normal” esse tipo de conduta. Que cada um de nós possa, de fato, praticar a honestidade que tanto cobramos dos outros e fazer a parte que nos cabe para uma sociedade menos corrupta.

Patricia Lages

É jornalista internacional, tendo atuado na Argentina, Inglaterra e Israel. É autora de cinco best-sellers de finanças e empreendedorismo, palestrante e conferencista do evento “Success, the only choice” na Universidade Harvard. Apresenta quadros de economia na TV Gazeta e RecordTV e é facilitadora da RME para o programa mundial WomenWill – Cresça com o Google.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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