A onça cansada e solitária no pedaço verde que simula a floresta por R$ 3
Os ouvidos aguçam, ouvem mais que o normal. O vento. Os pássaros. Os sons desse pedaço de floresta

Pesquisar: “museus em Belém”.
Na tela, uma lista interessante: arte sacra, museu sobre o Círio, casas culturais… Mas um me achou atenção. Museu Paraense Emílio Goeldi. Na verdade, Parque Zoobotânico Museu Paraense Emílio Goeldi. Percebe? Nome com pompa! Como não se animar?
Ainda assim, dias, semanas se passaram, e a pesquisa seguia parada em uma aba no computador. Até que veio a iniciativa. Tardia, mas veio: bora bater perna e conhecer esse pedaço de floresta!
Sim, o Emílio Goeldi é um pedaço de floresta. D’A Floresta, letra maiúscula. Belém, apesar de encravada na Amazônia, é metrópole. Prédios, carros, asfalto, buzinas, fumaça, motos, ônibus, pedestres, bicicletas, céu, sol, chuva… Pacote completo de uma cidade grande. E o Emílio Goeldi é um dos respiros.
Av. Governador Magalhães Barata, 376. Engraçado um pedaço de floresta com endereço completo. Me senti indo para um shopping. “Lado direito logo ali adiante, moço.” Saí do carro com a sensação de que seria frustrado por um mero “verdinho” no meio do concreto.
A placa com o valor do ingresso me causou outra estranheza: R$ 3. Só? Estranho… Fui ao guichê, saquei a carteira. “Senhor, não aceitamos cartão, só dinheiro”.
Calor, muito calor. Já estava sentindo as gotas escorrerem pelas costas. Respirei e bolei o plano: “vou convencer o vendedor de água de coco a passar um valor a mais no Pix e me dar três reais em dinheiro”.
Cheguei perto dele com medo dele achar a proposta ultrajante. “Claro! Pega aqui o coco. Tá geladinho! Vai ver a onça, né?”
Onça? Quê onça?
Peguei o coco, os três reais, voltei vitorioso ao guichê, o atendente não deu bola, pegou as moedas, me deu o ingresso. Agradeci sorrindo. Eu e meu coco gelado.
Entrei pensando na tal da onça. Será que é onça de verdade?
Decidi não descobrir de imediato. Preferi andar sem rumo pelos caminhos de terra batida. Paredões de árvores jogavam na minha cara a verdade: nada de mero “verdinho”, é um pedaço de floresta mesmo!

Do nada, em uma curva despretensiosa, paro de andar. Um vulto. Um bichinho andando como se estivesse em casa. Nada! É a casa dele! Maravilhado, comecei a tirar fotos.

Adiante, uma ave de rapina. Um jacaré. E tartarugas. Muitas. Todas agradecidas pelo sol.
Andando, por vezes olhando para baixo, vendo formigas, aranhas, folhas caídas, flores. Acima, as árvores. Copas imensas, troncos grossos e altíssimos. O céu vazava aqui e acolá. O azul lá de cima preenchia os espaços que o verde deixava. Um dia lindo. Não dava para ouvir os carros e os barulhos da cidade de Belém.
Fechar os olhos. Parar de andar. Respirar baixinho. Ignorar o suor. É… Um salto direto e reto para o meio do verde. Os ouvidos aguçam, ouvem mais que o normal. O vento. Os pássaros. Os sons desse pedaço de floresta.
Quando passei a procurar pela história da onça, já estava cheio de fotos. Orgulho de ter escolhido o “museu certo”, fui andando. Mais tartarugas. Plantas amazônicas. Até que vi que havia voltado para a entrada. Cadê a onça?
Pensei em ir embora achando que não havia nada de onça. Suando e atacado pelos mosquitos, insisti uma última vez. Fui até um homem que oferecia fotos a R$ 10 para crianças e pais. “Tá vendo aquela estrutura de pedra ali atrás? A onça fica ali.”
Deve ter sido o único caminho de terra batida que não andei. A estrutura de pedra era grande. Grades. Uma jaula. “Não é possível que há uma onça presa aqui.”

É. A onça estava lá. Amarela com manchas pretas. Andava em um espaço de cinco metros. Indo e vindo. Boca aberta, língua para fora. Parecia cansada. Fisicamente parecia forte. Mas parecia cansada. Fiquei alguns minutos olhando. Não parava de andar. Indo e vindo rente à grade.
A cena me acertou forte. O encanto murchou. Senti culpa por ter gostado de ver o jacaré, o bichinho que não sei o nome que andava livremente pelos caminhos de terra batida, as tartarugas, as aves. A onça, indo de lá pra cá, jogou na minha cara: eu não estou na floresta. Estou em um pedaço de verde que simula a floresta.
Senti culpa pelas fotos. Senti culpa por ter admirado aquele verde. Por ter sorrido vendo o céu azul por entre as folhas das árvores.
Saindo, parei de novo ao lado do fotógrafo, cansado e sentado ao lado da placa de “fotos por R$ 10”: “essa onça, ela tá bem, moço?” A resposta piorou tudo. “Ela perdeu a mãe faz pouco tempo. Está sozinha.”
Saí triste e feliz. Uma mistura ruim diante do calor e do cansaço de tanto suar. Saí andando e pensando.
Estava triste por ver como o bicho homem faz de tudo para emoldurar a natureza como bem-quiser, para encaixotar, enjaular…
A resiliência da onça. Órfã. Sozinha. Presa. O fotógrafo havia dito também que “às vezes os visitantes não conseguem ver a onça, ela fica entocada no fundo da jaula.”
Mas, talvez por ser um bicho homem, saí feliz. Vi um pedaço de natureza. Algo que não veria se não estivesse aqui. Se me sinto culpado por ter me sentido feliz mesmo vendo a onça daquele jeito? Sim.
Mas sorrio agora. Escrevendo sobre essa onça órfã. Sorrio. Ela, apesar de tudo, está viva como eu. Estamos, onça, vivos.
✅Para saber tudo do mundo dos famosos, siga o canal de entretenimento do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp