Quando o sumiço se torna um adeus: entenda o ghosting
Psicólogas explicam o que pode ocasionar esse fenômeno e como lidar com os impactos dele na vida amorosa
Viva a Vida|Júlia Putini, do R7*
Conhecer, flertar e se relacionar com pessoas pela internet é uma realidade consolidada para muitas pessoas há anos e, segundo uma pesquisa feita pelo aplicativo Inner Circle e enviada com exclusividade para o R7, 72% dentre os 1.178 entrevistados estão em busca de um relacionamento sério.
Com a pandemia e a ausência de vida social, a busca online por parceiros passou a ser mais recorrente para quem já estava habituado e também se tornou uma possibilidade de experimentação para quem ainda não havia testado essa modalidade de interação romântica.
Porém, essa facilidade também traz consigo uma dose de complexidade, principalmente ao se tratar do rompimento de laços. O termo em inglês ghosting, que vem da palavra ghost, traduzida como "fantasma", é a expressão designada para o término repentino de uma relação no qual não ocorre um diálogo a respeito dos motivos que levaram à decisão.
Tal atitude não é novidade, mas foi evidenciada na atmosfera digital. De acordo com a pesquisa, 58% dos usuários já foram vítimas dessa modalidade de encerrar relações e 37% dos que se declararam praticantes do desaparecimento virtual relataram ter feito isso pela pura e simples perda de interesse.
Para a psicóloga e terapeuta familiar e de casais Pamela Magalhães, "estamos atrofiando nossos recursos emocionais, o que reflete na forma com que manejamos nossas relações afetivas. Conseguimos contatar diversas pessoas, alimentando a ilusão de que temos controle sobre nosso contato com o outro, podendo nos colocar offline, escolhendo o ritmo de escutar respostas e também escolhendo ver ou não o que foi comunicado."
Chá de sumiço
"A facilidade em conhecer pessoas novas, somada à impaciência, diminui a preocupação em consertar as coisas. Abrir mão de uma pessoa deixa de ser um problema, já que existem outras dez ou cinquenta esperando para serem conhecidas", aponta a psicóloga Renata de Azevedo.
O que antigamente era conhecido apenas como "dar um perdido", se tornou um verdadeiro hábito para alguns nessa nova esfera de relacionamentos. "É um tchau que o outro não precisa ficar sabendo. As pessoas vão ganhando um aspecto mais descartável", completa Renata.
Para quem foi deixado para trás e precisa lidar com a situação de forma solitária, tudo parece nebuloso e sem sentido, e a profissional explica que o choque não se dá à toa e muito menos se trata de dramatização.
Ainda de acordo com ela, isso dificulta o luto do fim da relação, já que uma parte importante é entender o que levou ao término.
"Quando alguém simplesmente some, essa oportunidade não existe, pois ela vem do diálogo. Isso gera confusão em quem sofreu o ghosting, levando a pessoa a se comportar como se ainda estivesse se relacionando, tentando contato. É como se a história ficasse para sempre em aberto."
Caça-fantasmas
Pamela relembra de resgatarmos a capacidade de olhar para dentro e ponderar que não vale a pena insistir em alguém que não tem esse cuidado, afinal, tal atitude denota que algo não vai bem no íntimo de quem opta por desaparecer ao invés de resolver. Algumas pessoas ficam obcecadas em tentar resgatar o vínculo, mas esse não é o caminho.
"Ficar caçando alguém que se propôs sumir não cabe a nós, já que um relacionamento a longo prazo exige alta qualidade de interação, e no caso de quem pratica ghosting isso só demonstra o quanto se trata de uma pessoa empobrecida de recursos básicos para formar uma boa aliança relacional", afirma.
Fugir do stalking (ficar acompanhando tudo o que a pessoa posta) e lamber as próprias feridas é altamente recomendado pela especialista, como meio de se fortalecer diante desse golpe. A profissional explica que o perfil da pessoa que vai simplesmente sumir do mapa gira em torno de uma irresponsabilidade afetiva, oriunda de poucos recursos emocionais.
"Tem desde a pessoa com um desvio de caráter que não tem empatia, e uma pessoa imatura emocionalmente que não consegue lidar com conflito. Para eu ter respeito com o outro, tenho que ter um bom autoconhecimento, com clareza das emoções que transitam dentro de mim, e isso não é uma característica da maioria. As pessoas ficam no desejo pelo desejo, sem considerar a outra parte."
A psicóloga Renata também pontua que, assim, a pessoa perde a oportunidade de se desenvolver enquanto ser humano.
Encontrando conforto
O que não faltam são recursos para encarar a situação de forma mais leve e menos solitária, e alguns deles estão contidos em perfis que promovem diálogo e disseminam informações nas redes sociais para promover a reflexão sobre relações afetivas e seus contornos na sociedade atual. Confira 5 deles e faça uma maratona de conteúdo para espantar a tristeza e compreender as situações:
Não Era Amor: com diversas análises sobre acontecimentos de grande porte no mundo dos famosos e indicações de cultura pop para se aprofundar no assunto, a psicóloga Pollyana Abreu debate relações e seus contornos problemáticos com 42 mil seguidores.
Esse amor era cilada: como pílulas de incentivo, cada post busca esclarecer um pouco do que muitas mulheres enfrentam dentro de relacionamentos complicados, dando nome para as situações e incentivando a buscar ajuda para enfrentar os conflitos.
Livre de Boy Lixo: a designer Marcele usa suas habilidades e sua experiência para falar com muito humor sobre todas as situações que as mulheres enfrentam em suas trajetórias românticas com homens. Ela inclusive promove clubes do livro para fazer análises de obras com temas pertinentes ao assunto. Um prato cheio para quem quer rir, aprender e se aprofundar no tema.
Cantadas Progressistas: os 400 mil seguidores denotam o sucesso da página, que revela com humor o quanto as vivências pessoais representam contectos políticos maiores, exigindo atenção e crítica. Cada post é um convite para enviar ao crush e puxar assuntos necessários na hora de conhecer o outro.
Grl Pwr Feminist: com muitos memes, a criadora de conteúdo Bruna Maria convoca mulheres de todos os cantos do mundo para entender e questionar as nuances das relações afetivas de forma simples e descontraída (com uma pitada de dicas de skin care também).
*Estagiária do R7, sob supervisão de Luciana Mastrorosa