Entrevista do Arcanjo: “Ninguém me demitiu da Globo”, diz ator Pedro Paulo Rangel
Ator explica sua saída da emissora e dispara: “Muitos atores morrem e ninguém fica sabendo”
Entretenimento|Miguel Arcanjo Prado, editor de Cultura do R7
Recentemente, uma notícia deixou muitos telespectadores preocupados: após 40 anos, o contrato da TV Globo com o ator Pedro Paulo Rangel foi rompido.
Nesta Entrevista do Arcanjo, o ator carioca de 65 anos explica direito ao R7 esta história e ainda faz reflexões importantes sobre a desvalorização do artista no Brasil.
Logo que a gente começa a conversar com Pedro Paulo Rangel, percebe o forte carisma que o faz um dos atores mais queridos da TV e dos palcos. Mesmo talento que faz com que ele, mesmo em papeis coadjuvantes, se destaque sempre.
Apesar do rompimento do contrato, o ator segue no ar, na reprise da novela O Cravo e a Rosa no Vale a Pena Ver de Novo. Nos palcos, acaba de encerrar em São Paulo a temporada da peça Azul Resplendor, na qual se destacou ao lado da amiga Eva Wilma (veja a crítica).
Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Você foi demitido da Globo?
Pedro Paulo Rangel – Não. Isso é mentira. Eu nunca entendi como saiu essa história de que eu fui mandado embora. Nestes 40 anos em que fui contratado da Globo, arrumei a minha vida para viver bem e poder escolher o que eu quero fazer. Quando eu era contratado, eu era “obrigado”, entre aspas, a fazer o que mandassem. Afinal, estavam me pagando um salário. Só que muitas dessas coisas não eram trabalhos que escolheria. Então, eu fiz 65 anos de idade e 45 anos de carreira. Acho que tenho o direito de poder escolher agora meus trabalhos. Por exemplo, não quero mais fazer teatro e televisão ao mesmo tempo. Não quero ser escravo da ponte aérea. Deus me livre!
Então, a decisão de sair foi sua?
Foi uma decisão minha falar com a diretoria e não renovar meu contrato. E foi tudo muito bem conversado. As portas estão abertas. Não briguei com ninguém. Ninguém me despediu.
Você se arrepende de alguma coisa na vida?
Eu me arrependo, infelizmente, de ter fumado. Isso me causou muitos problemas sérios de saúde. Se eu pudesse voltar no tempo, jamais colocaria um cigarro na boca.
Como é a questão da idade para um ator?
Olha, a gente envelhece e continua representando. Isso é o melhor da nossa profissão. E morrer em cena é o melhor que a gente faz [risos]. Eu vou trabalhar enquanto eu puder.
Você acha que o brasileiro tem memória?
As pessoas não tem memória. O novo sempre é que é melhor, o bonitão. Não quero parecer retrógrado, mas hoje vivo muito de experiências do meu passado, não dá para renegar. Em países do primeiro mundo, é comum um ator mais velho receber homenagens. Aqui, muitos morrem e ninguém fica sabendo. Mas, infelizmente, não há nada que a gente possa fazer...
Porque você sempre faz teatro?
Porque teatro é muito bom. Tem o público ali e você sabe na hora se ele está gostando. E essa profissão tem a ver com a vaidade. Eu não sou de comprar roupa, essa camisa aqui tem uns quatro anos. A calça? Uns seis. É no palco que eu exerço a minha vaidade, mas de uma forma positiva. Porque estou dando lazer e reflexão ao público. E ter esta profissão é um privilégio.
Falta valorização ao artista?
Sim. Porque o Brasil não valoriza seus artistas. Na peça, a personagem da Eva Wilma se retirou porque quis. Mas não é bem assim no Brasil. As grandes companhias teatrais, como a da Maria Della Costa, da Tonia Carrero, da Dercy Gonçalves, isso já não existe mais. Foi 50, 60 anos atrás.
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Por que não há mais?
Isso foi acabando porque a cultura não é valorizada no Brasil. As pessoas não procuram cultura aqui. E, infelizmente, a gente dá o que o público quer. Senão, acabamos com nossa profissão. Onde é o teatro? É ali, no subsolo, escondido... O povo só quer rir. Mas, se eu dou gargalhada é algo fácil e simples. Eu digo que o problema do Brasil é educacional. Os professores ganham pouco, os alunos não querem aprender...
Esse problema educacional afeta tambéma TV?
A televisão é outra história, bem diferente do teatro. Você não tem de sair de casa para ver, comprar um ingresso, ir jantar depois... É na sua casa, na sala, no quarto.
O que você acha da qualidade da TV brasileira?
A TV que se faz no Brasil é de altíssima qualidade. Existe programação para todas as faixas de público, sobretudo na TV paga. Mas a TV no Brasil começou há 60 anos. Só na Globo, trabalhei por 40 anos. Tem artistas de alto gabarito na TV, tanto atores, quanto autores e diretores.
E qual seria o problema da TV?
Quem manda é o patrocinador, é o ibope. [A série] Som e Fúria, por exemplo, que eu fiz na Globo, era Shakespeare, mas não teve continuidade, infelizmente, por este tipo de problema. Mas pelo menos foi feito.
Você se sente parte da história da TV?
Claro. Agora tem o Viva, né? Então, você está no ar o dia inteiro! E isso é muito bom, porque o público de hoje pode conhecer a trajetória do seu trabalho.
Como foi retornar para São Paulo para fazer a peça Azul Resplendor ao lado de Eva Wilma?
Eu comecei em São Paulo a minha carreira, com 19 anos. Fiz a peça Roda Viva, no Rio, e vim para São Paulo, onde vivi de 1968 a 1972. Fiz muitas coisas, muitos amigos. Eu morava na Bela Vista e adorava. Eu aprendi a dirigir em São Paulo, tirei minha carteira de motorista aqui. Hoje, pego um viaduto e não sei mais onde vou parar [risos].
Você mantém amigos desta época?
Sim! O Renato Borghi, que dirige a peça, eu conheço desta época. Porque eu fiz Galileu Galilei com ele no Teatro Oficina, com direção do Zé Celso Martinez Corrêa. Só que não trabalhávamos juntos desde esta época. Então, foi um grande reencontro. E também com a Eva, porque já tinha trabalhado com ela em Pedra sobre Pedra e A Indomada. A peça é uma grande homenagem a Eva.
Onde você mora?
Em Copacabana, no Rio. Gosto muito do bairro, onde vivo há 13 anos. Nunca pensei em sair de lá, porque é a melhor coisa para a terceira idade. Tem restaurante, shopping e, claro, a praia mais bonita do Brasil! E, em São Paulo, fiquei os últimos fins de semana, por conta da peça.
Você costuma roubar a cena nos trabalhos que faz, mesmo quando é coadjuvante. Por quê isso acontece?
Essa expressão roubar a cena é muito depreciativa no teatro. Porque o ator está ali se esforçando na cena dramática, aí o colega está se abanando de forma engraçada atrás dele [risos]. Não sei como essa expressão virou uma coisa boa... [risos] Eu tenho tido muita sorte em meus trabalhos. Na TV, por exemplo, só protagonizei O Noviço, embora no teatro tenha sido protagonista inúmeras vezes. Eu digo que eu tiro leite de pedra dos personagens. Mas eu prefiro assim, meu trabalho é este.