Ex-Secos e Molhados lança CD solo após 37 anos longe dos estúdios
Gerson Conrad comemora redescobrimento da antiga banda com Ney Matogrosso e diz que está empolgado com próximo disco solo
Música|Daniel Vaughan, do R7
Gerson Conrad está cheio de planos para 2018. Eternamente reverenciado pelo trabalho nos Secos e Molhados, ele mantém um show com releituras da antiga banda e acaba de gravar um novo CD solo, o primeiro depois de 37 anos longe dos estúdios.
Nos anos 70, o cantor e compositor integrou, ao lado de Ney Matogrosso e João Ricardo, os Secos e Molhados. O grupo paulistano fez um sucesso meteórico, mas durou apenas dois discos com essa formação (73 e 74). Após brigas entre os integrantes, Ney e Gerson abandonaram o trio e João seguiu sozinho com o nome da banda. Do outro lado, os dissidentes prosseguiram cada qual em carreira solo. Ney, como é de conhecimento geral, se transformou em um dos maiores nomes da MPB. Gerson gravou dois discos, sendo um deles com a atriz Zezé Motta nos vocais, mas ficou desanimado com o mercado fonográfico.
— Durante os anos 80, eu praticamente sai do cenário artístico por vontade própria. E, apesar de ter gravado discos solo após os Secos, a expectativa de mercado me deu uma boa "broxada". As coisas não estavam correndo muito bem como eu queria. Então, eu fui sobreviver como arquiteto, pois já era formado antes de ser artista.
Duas décadas depois, Gerson acabou sendo "empurrado" para o palco através de novos fãs de Secos e Molhados, que faziam tributos ao grupo e pediam a volta do trio pelas redes sociais.
— Para se ter uma ideia de como isso cresceu durante esse tempo, meus shows recentes trazem uma plateia com metade de público jovem. Isso é muito emocionante e faz a gente rejuvenecer.
"O Vinicius de Moraes me disse%3A `Sua música vai eternizar meu poema´"
Prestes a completar 66 anos no próximo dia 15 de abril, o compositor está empolgado para mostrar as 12 faixas inéditas que acabou de gravar no disco Lago Azul (Deck), que será lançado em maio.
— Isso se transformou em uma resposta ao público que queria me ouvir novamente compondo. E é para dizer que eu não parei.
Para saber mais sobre o passado e o presente de Gerson Conrad, o R7 encontrou o compositor em um estúdio de ensaios em São Paulo. E, além da entrevista, o cantor gravou uma música exclusiva para os internautas (confira abaixo).
Rosa de Hiroshima (poema de Vinicius e música de Gerson)
— A música continua fazendo sucessso até hoje e já ganhou muitas regravações pelo mundo! Esse poema, na verdade, veio através da proposta do Secos de fazer um som teatral. A gente queria musicar grandes nomes da literatura e poesia, então, o João Ricardo me emprestou uma antologia do Vinicius. Na época, eu cheguei em casa, joguei o livro na escrivaninha e ele abriu justamente na Rosa de Hiroshima. Aquilo me deu a ideia de canção, porque tem uma temática de cunho universal, politizada, assim como a ideia da nossa banda. Na hora de compor, eu fui na contramão de muitos autores, pois fiz uma melodia doce e delicada, em contraponto ao "peso" do texto. E, logo no comecinho da banda, eu encontrei o Vinicius e mostrei a composição para pedir a autorização dele. Emocionado, ele pegou no meu braço e disse: "Tenha certeza que sua música vai eternizar meu poema". Segundo o poeta, esse trabalho estava perdido e, claro, mais tarde se tornou mundialmente conhecido com a gente.
Exílio musical
— Durante os anos 80, eu praticamente sai do cenário artístico por vontade própria. E, apesar de ter gravado discos depois de ter saído dos Secos e Molhados (75 e 81), a expectativa de mercado me deu uma boa "broxada". As coisas não estavam correndo muito bem como eu queria. Daí, eu fui sobreviver como arquiteto, pois eu já era formado antes de ser artista. Uma década depois, vieram os convites para me apresentar e o redescobrimento da banda pelos jovens. Assim, formei meu grupo, Trupi, com quem faço os shows com repertório dos Secos e gravei o novo CD.
Redescobrimento dos Secos e Molhados
— Eu comecei a perceber que muitos jovens estavam fazendo tributos aos Secos e com o tempo isso só foi aumentando. Para se ter uma ideia de como isso cresceu durante durante os últimos anos, meus shows recentes têm uma plateia com metade de público jovem. Isso é muito emocionante e faz a gente rejuvenecer. Então, meu novo CD se transformou em uma resposta ao público que queria me ouvir novamente compondo. E é para dizer que eu não parei.
Brigas na banda
— O Ney é meu amigo e temos muito respeito um pelo outro. Nos prestigiamos multuamente! Infelizmente, isso não acontece com o João Ricardo, que se recusa até dar entrevistas sobre a banda. Ele deve ter seus motivos, que não me interessam, mas é uma pena. Creio que João se julga sendo a própria obra. Foi isso que matou a relação dele comigo e o Ney. Mesmo quando eu era muito jovem e conheci o sucesso, sempre fui humilde e não tive problemas com egos. Acho que foi por isso que cheguei tão lúcido aos dias de hoje. (risos)
"Eu sempre fui humilde e nunca tive problemas com egos. Por isso%2C cheguei tão lúcido aos dias de hoje"
Volta milionária que não acontece
— Todos atribuem o fim do grupo ao próprio João. Depois do sucesso, ele quis fazer tudo sozinho. Então, eu disse: "Tchau e boa sorte!" Apesar de ter sido uma primeira ideia do João, os Secos e Molhados era uma banda e fez sucesso pelo trabalho em conjunto. Hoje em dia, os fãs ainda pedem muito um retorno do trio original, mas isso não acontece por causa dele. Certa vez, uma TV alemã queria promover apresentações dos Secos por lá. Ofereceram até um milhão e meio de dólares para cada um! E o João nem quis saber. Ele já recusou várias propostas milionárias! Não dá para entender essa raiva, esse rancor.
Dupla com Ney
— Além de meu amigo, o Ney é essa voz incrível que todos conhecem. E, apesar de a banda não voltar, eu gostaria de fazer algo com ele. Tenho uma ópera rock que estava perdida na gaveta desde os anos 80. Eu vou retomar esse projeto e gostaria que ele fizesse uma participação em uma das músicas. O Ney já disse que vai escolher uma faixa com carinho.
Anos 70
— A gente peitou a Ditadura e aquilo tudo de ruim que estava rolando na época do nosso sucesso. Mas tem gente que acha que foi apenas um ato juvenil inconsequente. Nada disso! Tinhamos muita noção do que fazíamos. A banda não tinha nada de inocente, pois enfrentamos aquele momento de censura com muito esclarecimento e coragem. Claro que haviam muitos jovens nos anos 70 que eram alienados e só falavam: "Só... legal..." Não sei se era muita droga ou desinformação mesmo. Já os Secos estavam à frente de seu tempo. Para a gravadora, a gente deixou bem claro que não aceitaríamos ser tratados como gado, botando uma venda nos olhos da gente para fingirmos que não estava acontecendo nada. Era outro nível.
Filhotes de Secos e Molhados
— A Pabblo Vittar e outros artistas dessa geração são muito talentosos. Mas, desses mais recentes, eu curto Liniker, que tem uma proposta não só musical como política, social... ah, e tem também o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira. Sabe como é, eles beberam na fonte de criadores que eu conheço, então não dá para ser contra... (risos)
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