Sem grandes estúdios na última edição, a CCXP pode continuar épica?
Netflix e Disney apostaram em eventos próprios e ficaram de fora da lista de estandes na convenção da cultura pop
Cine R7|Bianca Fávero e João Acrísio*
A edição de 2024 da CCXP foi marcada pela ausência de grandes nomes de Hollywood e a falta de painéis com as principais estreias da próxima temporada de filmes, deixando em muitos geeks e nerds a dúvida se o principal evento da cultura pop da América Latina continuará “épico”.
Comparado aos anos anteriores, o evento, que acabou no último domingo (8), deixou a desejar no quesito de artistas convidados, já que o line-up já contou com Tom Holland, Brie Larson e Sophie Turner, em 2018; já em 2019 tivemos Henry Cavill, J.J. Abrams e Margot Robbie.
Enquanto isso, em 2024 os escolhidos para contar as novidades de 2025 foram Anya Taylor-Joy (repetindo sua aparição em 2023), Matt Smith, que apesar de ser um dos doutores mais queridos de Doctor Who e o Daemon Targaryen de A Casa do Dragão, não trouxe nenhuma novidade sobre as séries.
Mesmo com a alternativa inteligente em promover o mercado nacional, com o Auto da Compadecida 2 e Wagner Moura sendo homenageado pelo evento, a falta de um grande atrativo era evidente.
A ausência de grandes estúdios, como a Netflix e Disney, também fez falta. Embora a Disney tenha montado uma loja com produtos que encantaram o público e com um cantinho para fotos com os cenários de Lilo & Stitch, as duas gigantes optaram em fazer seus próprios eventos no ano e ficaram de fora da lista de estandes da CCXP24.
A sensação que ficou foi de ‘quero mais’, até porque, em 2023, a Netflix trouxe um estande nada tímido com a presença de Zack Snyder para promover Rebel Moon e a Disney comemorou Star Wars VI com o C3PO.
Logo no primeiro semestre de 2025 temos uma série de lançamento que encaixariam com a CCXP e foram pouco aproveitados pelo evento: Capitão América: Admirável Mundo Novo (14 de fevereiro); Branca de Neve (20 de março); Minecraft (3 de abril); Thunderbolts (2 de maio); Lilo & Stitch (22 de maio); Missão: Impossível – O Acerto Final (22 de maio); Karate Kid: Lendas (29 de maio); Como Treinar o Seu Dragão (12 de junho); Jurassic World Rebirth (3 de julho); Superman: Legado (11 de julho) e Quarteto Fantástico (25 de julho).
A própria DC, que iniciou um novo universo agora, não exibiu muitos ‘spoilers’. Em outros anos, a Marvel trouxe Kevin Feige para anunciar as novidades do universo cinematográfico da empresa, com direito a aparição surpresa de Tom Holland. Neste ano, a grande atração surpresa foi um painel surpresa de Kraven: O Caçador, que não trouxe nenhum ator do filme, mas apresentou cenas exclusivas para quem estava no painel.
Por outro lado, o evento não vive somente das estrelas internacionais. Com tantos conteúdos possíveis na cultura pop, a CCXP proporciona outras experiências inesquecíveis, como os estandes, painéis com quadrinistas internacionais e nacionais e muito mais.
Só de andar pelo evento já é uma grande experiência, a qualquer momento você pode acabar trombando com uma celebridade, cosplay ou algo que remete ao seu filme, série ou quadrinho favorito.
O que torna a CCXP épica é isso. Diferentemente de festivais de música, por exemplo, as atrações não são o único chamariz. A oportunidade de visitar um estande de uma série de sucesso, conhecer um quadrinista independente brasileiro, participar de um show de uma banda medieval, são diferentes possibilidades para um único evento. Mesmo que os painéis não tragam nenhuma novidade, ainda há o que fazer.
Para quem circulou pelo evento, a animação ainda era alta, as corridas pelos pavilhões da São Paulo Expo e a busca frenética pelos brindes mostrou que mesmo em baixa ainda há muito que aproveitar. O público até criou grupos nas redes sociais para trocar informações de estandes com os melhores mimos.
Esse é o caso de Matheus de Sousa, 24, frequentador da CCXP há 6 anos, ele passou boa parte desta edição em longas filas de estandes para conseguir o maior número de brindes possíveis: “A sensação que tive esse ano é que a magia que cativa o público está indo embora aos poucos”.
Entre os motivos para a perda do interesse apontado por Matheus estão o tempo de espera e os sites de agendamento — utilizado pelos estandes para evitar filas presenciais.
“O que me desanimou foi que os aplicativos tinham poucos horários para agendar e as experiências deixaram a desejar. É esperado que em um evento do tamanho da CCXP você acabe enfrentando filas para participar das experiências, mas na edição desse ano você passava horas para participar de uma atividade que não durava nem 3 minutos”.
Matheus não teve problema em encarar as filas, mesmo gastando mais de uma hora para conseguir participar das atividades, o jovem aguentou a espera para conseguir seus brindes, mas comenta a queda na expectativa do evento: “Sinto que a CCXP em seus primeiros anos queria impressionar cada vez mais e em algum momento isso deixou de acontecer”.
Para ele, a edição de 2018 trouxe grandes nomes de Hollywood, como Michael B. Jordan, Tessa Thompson e Sebastian Stan, mas desde a volta após duas edições virtuais, o evento não foi o mesmo. Hoje, Matheus aponta que o grande atrativo não está nos palcos, ou nos convidados internacionais.
“Atualmente a parte que mais me anima é o Artist’s Valley, onde você encontra e tem contato direto com artistas talentosíssimos que estão lá buscando financiamento, vendendo artes, adesivos, sketchbooks ou quadrinhos autorais”, afirma.
Mesmo com suas falhas, a CCXP24 continua sendo o evento favorito para os milhares de nerds que se mobilizam de todos os cantos do Brasil para a São Paulo Expo. Nem mesmo o apagão neste sábado (7) impediu toda a euforia dos fãs.
Artistas presentes no local relataram que muitas pessoas desistiram de passar pelas mesas para evitar a falta de luz, que também afetou o ar condicionado.
“No apagão era muito quente, tinha muita gente em volta. O Artist’s Valley foi o mais afetado, então o público começou a procurar outros cantos para ficar”, disse Orlandeli, quadrinista participante desta edição.
Além da dificuldade para continuar as vendas, os artistas relataram que a organização não os orientou sobre o que deveria ser feito. Outras áreas do evento continuaram com luz e seguiram a programação, como os estandes e o Palco Omelete.
Apesar do ocorrido e o desconforto, alguns quadrinistas decidiram relevar a situação e continuar as vendas, autógrafos e conversas com seus fãs: “Eu ignorei, continuei desenhando e autografando com lanterninha e o público continuou aparecendo”, comentou Vitor Cafaggi, criador da Turma da Mônica Laços.
Há duas edições, a organização optou por mudar a configuração do Artist’s Valley. Ao invés de concentrá-lo no centro do evento, com ruas pequenas e conexões, o espaço se transformou em uma longa ‘avenida’, com duas fileiras de artistas.
Para a quadrinista independente Helô D’Angelo, que marca presença na CCXP desde 2019, “o evento é ótimo, vem pessoas de todos os cantos do país, mas parece que o Valley virou apenas um local de passagem e sem fluxo constante”.
Por outro lado, Helô conta que algumas alterações ajudaram no trabalho dos artistas. “Agora temos água e banheiros exclusivos, o que facilita para manter o ritmo nas vendas”.
Embora tenha enfrentado dificuldades, a CCXP seguiu no lema de ‘o show deve continuar’ e manteve a energia em alto astral dos milhares de nerds. As filas quilométricas para os estandes, as caças aos brindes e o entusiasmo da plateia com a entrada de artistas nos palcos continuaram em evidência.
O criador de conteúdo e dono do canal de YouTube 2quadrinhos, Vinícius, 35, acompanha a CCXP desde sua primeira edição, em 2014: “Está cada vez mais épico! Todo ano conheço pessoas novas que vem pela primeira vez e parece um mundo a parte, é um grande encontro sobre tudo da cultura pop”.
Ainda que a CCXP possa não atingir as mesmas expectativas da nostalgia de antigamente, há novas facetas que podem ser exploradas. A edição deste ano mostrou que o verdadeiro ‘coração’ do evento já não é mais a participação das grandes estrelas de Hollywood ou os estandes:
“Eu entendo que a Netflix, a Disney comecem a investir em seus próprios eventos, mas como um quadrinista eu não me vejo com espaço, nós quadrinistas acabamos esquecidos em outros lugares, a CCXP é o único evento que proporciona uma oportunidade dessas, onde podemos vir aqui e vender nosso trabalho e conversar com nossos fãs”, afirma Gabriel Picolo, quadrinista brasileiro renomado pelo trabalho com os Jovens Titãs.
Esse é o diferencial que nunca vai sofrer mudanças na CCXP: o Artist’s Valley proporciona a valorização dos artistas internacionais e nacionais de uma forma que não se vê em outros eventos aqui e lá fora. Mesmo sem grandes incentivos, o público volta todo ano para o Artist’s Valley para descobrir novas histórias.
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