Bienal do Rio 2025: como Chimamanda roubou a cena ao pedir que os homens leiam e que as mulheres tenham chance
Escritora abriu a festa literária; programação vai até o dia 22

Pouquíssimo tempo após lançar no Brasil A Contagem dos Sonhos (R$ 89,90; 424 págs.; Cia. das Letras), livro no qual processa um luto pessoal a partir de quatro mulheres que refletem sobre solidão, perda e maternidade, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie aterrissou com status de estrela na abertura da Bienal do Rio, a última sexta-feira (13).
Se a escritora precisou de uma pandemia para absorver a morte da mãe e produzir um romance após uma década de hiato, meia hora de conversas com jornalistas bastou para que expressasse uma visão tradicional da literatura.
Chimamanda prefere livros físicos a audiobooks e se recusa a escrever pensando em ver sua obra ser vertida para a popular corrente cinematográfica.
Ao mesmo tempo, mantém visão crítica com relação ao academicismo “hipócrita”.
Enquanto narra a luta para despertar o interesse literário na própria filha, a escritora pediu que “os homens leiam mais” e disse estar na hora de as mulheres chegarem ao poder.
Veja o que ela disse:
Realidade x ficção
O que escrevo não é jornalismo, eu transformo fatos em ficções, é a minha visão. Tenho essa personagem na minha cabeça há anos [uma escritora em viagem pelos Estados Unidos durante a pandemia] e queria uma história sobre diferentes mulheres e diferentes vozes [A Contagem dos Sonhos traz reflexões de quatro nigerianas pressionadas por não terem encontrado um grande amor].
Livro x filme
Acho muito chato quando as pessoas falam: nossa, que maravilha, seu livro vai virar um filme. É triste viver num mundo em que os filmes são mais privilegiados do que os livros. Para mim, os livros são muito melhores. Não mudaria nenhuma história por pensar que poderia virar um filme.
Acadêmico x prosaico
O Darnell [personagem com quem a protagonista do livro se envolve] ele é um acadêmico americano. Eu queria escrever sobre a academia em geral, porque é um mundo que eu conheço. E acho que a gente pode zombar dele, porque pode ser ridículo. A maioria dos meus leitores não suportam o Darnell, mas muita gente consegue identificar muitas características nele.
Tela x ócio
Sobre as crianças não estarem lendo, isso não é um problema só no Brasil, infelizmente é no mundo todo. Os adultos não estão fazendo a parte deles, tanto os pais como os professores. Porque é muito mais fácil você entregar uma tela para a criança. Os pais estão cansados, estão sobrecarregados, né?
Livro físico x audiobook
E é por isso que eu não gosto de audiobooks. Eu acho que a gente aprende muito mais lendo. É muito mais fácil fixar uma história quando a gente lê do que quando a gente escuta. E, às vezes, os adultos também não estão sabendo escolher os tipos de livro para entregar para as crianças.
Privado x público
E tive essa batalha até mesmo com a minha filha, que não gostava de ler. A gente não deixava ela ter celular quando era mais nova, mas ela não gostava de ler. Então, comecei a comprar livros que eu achava que seriam interessantes, que tivessem imagens para que ela pudesse se identificar, e agora ela está lendo.
Individual x universal
A Contagem dos Sonhos é sobre o significado da maternidade e como ela atinge todas as mulheres. Não o penso como somente sobre a maternidade de mulheres negras. Para mim, é uma experiência mais universal, feminina. Quando é alguma coisa mais focada em personagens negros, as pessoas acham que o que a gente está falando não é algo universal.
Português x inglês
O português da África é quase alienante para mim. Eu não sei muito sobre a literatura lusófona. A publicação é uma instituição tão colonial. E eu não sabia disso até que comecei a publicar. Eu não sabia que os direitos africanos de literatura anglófona pertenciam ao Reino Unido. Meu editor nigeriano publica uma edição nigeriana e a diferença no preço é muita: as pessoas não conseguem comprar os livros.
Mulheres x poder
Talvez seja a hora de as mulheres estarem no poder. Não sei se vai ser melhor, mas talvez a gente precise dessa chance. Precisamos fazer os homens lerem mais. Muitos problemas do mundo seriam solucionados se os homens lessem mais.
Serviço
No ano em que o Rio de Janeiro recebe o título de Capital Mundial do Livro pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Bienal do Livro espera receber mais de 600 mil pessoas no Riocentro, zona oeste da cidade.
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