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Quem fica com o dinheiro da música que você ouve no streaming?

Entenda como os royalties são divididos — e por que, quando bem aproveitado, o streaming pode ser mais lucrativo do que a era dos discos

Musikorama|Rodrigo d’SalesOpens in new window

O streaming movimenta hoje a maior receita da música imagem gerada por inteligência artificial

Muito se discute sobre quanto os artistas recebem pelas execuções no streaming. Há quem diga que as plataformas retêm uma fatia maior dos royalties do que na era dos discos físicos, o que faria com que os músicos recebessem menos hoje em dia. Mas, para entender se essa afirmação é correta, é preciso observar toda a teia que compõe a atual indústria musical.

Estrutura necessária por trás da música digital

Hoje, um artista pode lançar músicas sem ter contrato com uma gravadora — uma conquista importante na luta por independência e maior controle sobre a própria carreira. Mas isso não significa que ele não precise de uma estrutura por trás para ser bem-sucedido.

Até chegar ao público, uma música passa por diversas etapas: composição, gravação, registros, distribuição, marketing e comercialização. Cada profissional ou empresa envolvida cumpre um papel essencial para que o ouvinte tenha acesso à canção — e todos precisam ser remunerados por isso.

No novo mercado, algumas entidades ajustaram suas funções para o modelo digital. As distribuidoras se tornaram empresas de tecnologia, responsáveis por entregar as músicas às plataformas digitais. As gravadoras atuam como gestoras da relação entre arte e mercado, cuidando de contratos, posicionamento e estratégias.


Já os selos funcionam como braços locais das gravadoras, identificando e desenvolvendo talentos, acompanhando os artistas de perto e formatando suas identidades para conectá-los a estruturas maiores.

As editoras, por sua vez, continuam administrando os direitos da obra intelectual — letra e melodia — independentemente do fonograma (arquivo de áudio da música gravada).


Elas podem licenciar apenas a melodia para trilhas, ou apenas a letra para livros, estampas e outros usos. Também viabilizam versões em outros idiomas, novos arranjos ou adaptações. Com isso, maximizam a exploração comercial da criação do compositor ou autor, gerando mais royalties para ele.

Entendendo o Direito Autoral

Uma unidade de Direito Autoral é gerada a cada play imagem gerada por inteligência artificial

Os direitos autorais digitais são recolhidos por entidades como o Backoffice, que repassam os valores às editoras representantes de cada titular (compositor ou autor).


Já os direitos de execução pública — como em rádios, TV e shows — são arrecadados pelo ECAD, que os distribui às sociedades autorais, responsáveis por repassar aos representados conforme os percentuais registrados no ISWC (obra) e no ISRC (fonograma) de cada música.

Para ilustrar a teia que transforma arte em produto, costumo usar a metáfora do chocolate. O compositor ou autor é como o agricultor que planta o cacau. Gravar a música criada é como colher os grãos e transformá-los em uma barra de chocolate. A distribuição musical corresponde a embalar e disponibilizar essa barra nos supermercados — que, nesse caso, são as plataformas de streaming. Já o marketing equivale aos anúncios que despertam o desejo de consumir o chocolate — ou ouvir a música, no nosso caso.

Cada etapa envolve um profissional — e um custo — responsável por fazer a coisa acontecer.

É possível ficar com 100% da receita?

Se um artista quiser realmente ficar com 100% da receita gerada por sua música, precisará ser 100% independente em todo o processo. Isso significa assumir absolutamente tudo: compor, gravar, distribuir, promover, negociar contratos, criar capas, gerenciar tráfego, operar a tecnologia, administrar direitos autorais, firmar acordos, abrir sua própria editora e distribuidora, construir sua tecnologia de distribuição e até uma própria plataforma de streaming — tudo isso enquanto conquista e engaja seu público.

Mesmo assim, a independência pode nunca ser completa: alguns convênios de distribuição ou recolhimento são exclusivos de grandes instituições como UBEM, Backoffice e Merlin. Além disso, os direitos conexos ainda precisariam ser pagos aos músicos caso o artista não gravasse todos os instrumentos sozinho.

É como se o agricultor, além de plantar o cacau e produzir o chocolate, tivesse que abrir e administrar sua própria fábrica, gráfica, transportadora e supermercado. Por isso, a maior parte dos artistas delegam funções a empresas e profissionais — e é natural que cada envolvido receba um percentual da receita gerada.

Como é feita a divisão dos royalties no streaming?

A complexa divisão de royalties digitais imagem gerada por inteligência artificial

Na era do CD e LP, o artista recebia entre 2% e 14% sobre o preço de capa. A maior parte do valor ficava com a gravadora, que gravava os discos físicos, os distribuía e realizava todo o marketing. Era um modelo onde o artista recebia proporcionalmente menos do que hoje. No cenário atual do streaming, a divisão pode ser mais favorável ao artista.

Vamos supor que uma música tenha arrecadado R$ 100,00 em royalties. A divisão desse valor acontece da seguinte forma:

Spotify

Fica com 30% do total → R$ 30,00

Direitos autorais (obra)

Corresponde a 12% do total → R$ 12,00

  • 25% para a editora → R$ 3,00
  • 75% para o(s) compositor(es)/autor(es) → R$ 9,00

Valor restante para o fonograma:

Total repassado até aqui: R$ 30,00 + R$ 12,00 = R$ 42,00

Saldo remanescente → R$ 58,00

Distribuidora

Recebe os R$ 58,00

  • Retém 20% → R$ 11,60 (pode variar de 18% a 30%)
  • Repassa R$ 46,40

Gravadora

  • Retém 30% dos R$ 46,40 → R$ 13,92 (pode variar de 20% a 30%)
  • Repassa R$ 32,48

Selo

  • Retém 30% dos R$ 32,48 → R$ 9,74 (pode variar de 20% a 50%)
  • Repassa R$ 22,74

Artista

Recebe o saldo final → R$ 22,74

Somando os R$ 22,74 do fonograma com os R$ 9 líquidos dos direitos autorais, o artista recebe R$ 31,74 — ou 31,74% do valor bruto arrecadado.

Hoje, é o artista quem fica com a maior parte do valor gerado, mesmo se tiver uma gravadora, selo e editora envolvidos no processo. E quanto maior a receita, maior poderá ser o percentual negociado por ele.

O comparativo de ganhos entre as eras

Quem paga melhor: venda de discos ou plays? imagem gerada por inteligência artificial

Ainda assim, muitos artistas acreditam que ganhavam mais na era dos CDs e LPs. Para analisar essa comparação com clareza, é preciso entender como se dava o consumo de música naquele período.

Já abordei esse tópico no primeiro artigo desta série, “Como o algoritmo e o público redesenharam o mercado da música”. Agora trago uma extensão nesta segunda parte.

Um álbum físico costumava ter cerca de 12 faixas. Se alguém comprava um disco e o ouvia na íntegra, isso equivalia a 12 plays; não a apenas 1. Essa diferença é determinante para uma comparação justa entre as eras: 1 disco vendido jamais pode ser comparado a 1 play no streaming.

Façamos uma conta de padaria: se a pessoa ouvisse o álbum dia sim, dia não — às vezes até mais de uma vez no mesmo dia —, só no primeiro mês seriam cerca de 20 audições completas, ou 240 plays. Essa frequência se mantém por um tempo, até que o interesse comece a cair gradualmente. Ao fim de um ano, essa única compra poderia representar cerca de 100 audições completas — ou 1.200 plays.

Pela minha experiência na avaliação de catálogos de inúmeros artistas, observo que os dois primeiros anos são os de maior interesse e audições. Depois disso, o número costuma cair significativamente. Seguindo uma curva gradativamente decrescente e a reduzindo pela metade a partir do terceiro ano, esse mesmo álbum poderia gerar cerca de 2.888 plays por compra ao longo de cinco anos.

Projeção de Plays em 5 Anos imagem gerada por inteligência artificial

Ou seja, 1 milhão de álbuns vendidos equivaleria a quase 2,9 bilhões de plays — e não a meros 1 milhão, como alguns comparam.

Na era do disco físico, se o artista recebesse 14% sobre um álbum de R$ 30, lucrava R$ 4,20 por unidade. Com 1 milhão de cópias vendidas: R$ 4,2 milhões — e nada além disso, mesmo que o disco fosse ouvido por décadas.

No streaming, com o atual valor médio de R$ 0,013 por execução, os mesmos 2,7 bilhões de plays renderiam em torno de R$ 37,5 milhões. Com 31,74% desse total, o artista ficaria com aproximadamente R$ 12 milhões — um crescimento de quase 300%.

Ou seja, com uma audiência consolidada, o artista pode ganhar muito mais hoje do que na era do CD — e a receita continua por anos, acompanhando o consumo real da sua obra.

A complexidade de aumentar o repasse aos artistas

As plataformas de streaming disponibilizam milhões de músicas ao usuário imagem gerada por inteligência artificial

Se o valor de R$ 0,013 por execução ainda parecer pouco, há basicamente dois caminhos possíveis para mudar isso: ou alguém reduz sua porcentagem (o que todos alegam ser inviável, pois já estariam no limite), ou aumenta-se a arrecadação — via publicidade ou assinaturas.

Um usuário brasileiro escuta, em média, 4.000 minutos por mês — o equivalente a cerca de 1.334 músicas. Para que cada play rendesse R$ 1,00, como alguns artistas defendem ser o ideal, a assinatura do Spotify, por exemplo, teria que custar R$ 4.202,10 por mês.

Seja sincero: você pagaria esse valor por mês na assinatura do Spotify, mesmo considerando o tamanho do catálogo e todo o seu valor cultural?

Não é uma conta simples aumentar a remuneração dos artistas. O modelo das plataformas foi desenhado para permitir que o assinante tenha acesso a mais de 100 milhões de músicas por um preço popular.

Aumentar o valor por play exigiria repensar toda a lógica de consumo — o que inevitavelmente esbarraria na disposição do usuário em pagar mais caro pelo serviço.

Quem tem a audiência tem o poder

A base de ouvintes reais é o principal ativo do artista imagem gerada por inteligência artificial

No fim, é o público quem determina o sucesso financeiro. É ele quem escolhe, ouve, compartilha e consome. Distribuir uma música e registrar seu ISRC e ISWC é como emitir uma carteira de trabalho: isso te habilita a trabalhar e receber um salário, mas o pagamento só vem se você conquistar um emprego — ou seja, se a música for ouvida.

Já disse isso no outro artigo e reafirmo aqui: antes, o dinheiro estava nas mãos de quem detinha o catálogo. Hoje, está nas mãos de quem detém a audiência.

Se você constrói uma audiência relevante, consegue viver saudavelmente só com o que o streaming paga — e até ganhar mais do que se ganhava na era dos CDs e LPs.

A conexão emocional entre artista e ouvinte continua sendo o motor da indústria da música — desde a criação do fonógrafo até hoje, nos tempos de streams.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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