Deitada em um colchão doado, a auxiliar de limpeza Marta da Cruz, de 54 anos, olhava para canto nenhum.
— Não consegui pensar em nada.
O incêndio fez Marta procurar abrigo sob uma árvore do Largo do Paiçandu, aos fundos da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Quando o fogo começou, Marta estava dormindo. Com ela, só conseguiu levar a roupa do corpo, uma bolsa (com documento e a chave do trabalho) e 12 prestações que ainda não pagou da geladeira que ficou sob os escombros.
— Deixei celular, dinheiro, tudo.
Uma gatinha, de 1 ano, chamada Menina, também ficou para trás.
— Tentei pegá-la, mas ela corria.
Na hora, ouviu estalos nos vidros do quarto, pelo qual pagava R$ 160 ao mês, e a gritaria da vizinhança. Correu tão atordoada que errou a direção da escada. Foi parar em um paredão de fogo.
— No desespero, sai pelo lado errado do corredor.
Uma das mais antigas na invasão, Marta estava no edifício há sete anos. Antes de chegar lá, foi despejada da casa de uma patroa e rodou por outros prédios ocupados da cidade.
Mora em São Paulo desde os 10 anos, quando chegou com a mãe vindo da cidade de Andirá, no interior do Paraná. Um ataque cardíaco havia deixado órfã de pai dois anos antes. Aos 11, começou a trabalhar de babá. Nunca mais viu a mãe.
Desabou
A poucos metros, sob a mesma árvore, Francisca da Silva, de 41 anos, comia um marmitex de carne assada e arroz. Com uma colher de plástico, servia um dos seus cinco filhos — um menino de 2 anos.
— Até agora estou tentando entender o que aconteceu.
Francisca também estava dormindo e sentiu um safanão no braço. Era o marido, assustado com o incêndio. Às pressas, o casal, que morava no 3.º andar, carregou as crianças no colo e ainda conseguiu salvar a vira-lata Mel. Todos desceram pelas escadas.
— Foi questão de, por Deus, a gente descer e o prédio desabar.
Vestida com uma calça de gari, que usava de pijama, a desempregada Jéssica Matos, de 20 anos, teve menos sorte: não conseguiu resgatar o seu cachorro, Spyke, e nem os oito gatinhos.
— Acordei com a minha mãe gritando: 'É fogo! É fogo!". Fui tentar salvar o cachorro, mas ele, com medo, correu para baixo da cama.
O ambulante Wanderley Ribeiro Silva, de 27 anos, estava na zona norte no momento e soube do incêndio pela TV.
— Pensei que tinha acontecido uma tragédia com a minha família.
Na ocupação, dividia um quarto com outras 11 pessoas, incluindo a mulher e os dois filhos, de 4 e 2 anos.
Segundo a Prefeitura, 146 famílias (ou 372 pessoas), vítimas do incêndio, foram cadastradas na terça-feira (1). Elas devem receber auxílio-aluguel de R$ 1,2 mil neste primeiro mês. Nos 11 seguintes, a ajuda reduz para R$ 400. Aos desalojados, foi oferecido abrigo em 107 Centros de Acolhidas, mas a maioria não quis ir para os albergues.