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R7 Viva a Vida

‘Turismo autêntico’ busca explorar o encanto de lugares comuns

Piscinas públicas e cafeterias se tornam atrações para viajantes que querem visitar atrações fora dos itinerários

Viva a Vida|Bonnie Tsui, do The New York Times

Para alguns, o grande atrativo da viagem não é o restaurante badalado ou o hotel sofisticado, mas sim o supermercado, a piscina ou a loja de objetos para a casa Michelle Perez/The New York Times

Pode-se dizer que tenho o hábito de visitar piscinas públicas quando viajo. De Reykjavík e Sydney a Phoenix e Palm Springs, na Califórnia, é assim que ouço e observo a vida cotidiana, onde quer que eu esteja. Certa manhã do verão setentrional passado, em Tóquio, entrei no saguão de um complexo esportivo no bairro de Shimokitazawa, peguei um lugar na fila organizada de idosos e gesticulei com entusiasmo para conseguir um passe diário.

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Depois da natação, segui as placas ilustradas e tomei uma ducha antes de ir para a jacuzzi. Uma japonesa pequena, com uma auréola de cabelo branco, me deu um sorriso quando entrei. “Gosto da sua natação!”, comentou ela, em inglês. Conversamos animadamente enquanto observávamos a aula de hidroginástica das oito começando e ganhando movimento. Foi um dos destaques da minha estada no Japão.

Eu me lembrei disso outro dia enquanto estava cortando o cabelo com Noel Shabazian, meu cabeleireiro de longa data em Berkeley, na Califórnia. Ele mencionou uma viagem que estava prestes a fazer a Little Rock, no Arkansas, para visitar os pais de sua namorada, e perguntei quais eram seus planos. “Ah, vou ao cabeleireiro. Sempre que vou a um lugar novo, gosto de ir a um salão local para um corte de cabelo e de barba. Nem digo que sou cabeleireiro – só gosto de ver como eles fazem”, disse ele, cortando meu cabelo. Noel adora ter uma visão da vida das pessoas que não conhece: onde moram, sobre quem fofocam, o que os preocupa.

Sempre pensei nas minhas visitas às piscinas públicas como uma coisa incomum, mas o ritual de ir ao salão de cabeleireiro de Noel me fez ver isso como uma maneira compartilhada de refletir sobre viagens, de experimentar o mundo. Nossos olhares se encontraram no espelho e sorri em reconhecimento.


Fugindo dos destaques

“Autêntico” é uma palavra muito usada atualmente quando se fala de viagens, mas acho que significa querer saber uma coisa verdadeira a respeito de um lugar e das pessoas que vivem ali. Com muita frequência, a visão de férias que nos é vendida envolve um itinerário predefinido e cheio de destaques, seguido por milhões de outros, prometendo ser incrível, revelador e novo! E, ainda assim, poucas vezes é verdadeiramente surpreendente – já vimos tudo no Instagram ou no TikTok. Existem coisas a ser contadas quando o visitante participa de aspectos da vida cotidiana que não são especificamente desenhados para ele. É aí que está a surpresa.

Nesses lugares, os visitantes podem conhecer a fundo o dia a dia local Michelle Perez/The New York Times

Decidi perguntar às pessoas que viajam muito sobre as coisas do dia a dia que gostam de fazer quando estão na estrada – aquelas totalmente comuns que dão cor, textura e dimensão a um lugar.


Meu amigo Jon Natchez é músico e compositor – e, como membro da banda War on Drugs, é um verdadeiro astro do rock. Quando está em turnê, faz questão de procurar mercados de produtos que o mantêm conectado ao local e à estação.

Ele se lembra de uma visita ao mercado Hunts Point Produce, no Bronx, em Nova York: “É um lugar rudimentar, de concreto, utilitário, onde todas as frutas perfeitas estão dispostas como joias. Eu sempre quis ir lá, e, de fato, não pude acreditar no frescor delas.” Ele comprou uma caixa com 20 pomelos só para experimentá-los.


Jon gosta sobretudo de experimentar frutas que nunca provou. “É incrível quanta especificidade pode ser encontrada em um mercado de produtos locais. Por exemplo, em uma cidadezinha inglesa, você vai encontrar todas as maçãs pequenas que foram colhidas nos pomares próximos.” Ele abastece o ônibus da turnê com suas descobertas. Uma favorita da equipe é a granadilla, parente do maracujá que é comumente encontrada na Colômbia, no Peru e na Argentina.

Roy Vella, pai de um amigo, vai a igrejas. Ele foi criado como católico, no Brooklyn, em Nova York, e depois de adulto passou a frequentar a igreja de maneira mais esporádica, mas ultimamente assiste à missa quase todo dia. Quando viaja, encontrar uma igreja é parte do ritual; no fim de uma viagem, já está cumprimentando o pastor pelo nome e acenando para os frequentadores regulares da congregação.

Uma viagem marcante para Roy foi ao pequeno país insular de Malta, onde seus pais nasceram. “Malta é famosa por ter cerca de 365 igrejas – você praticamente pode ir a uma diferente a cada dia durante um ano. Muitos dos serviços são em maltês. Mas, mesmo que eu não fale o idioma em um lugar, sei o que está se passando na missa. Esse cruzamento do conhecido com o desconhecido tem certa magia.”

Encontrando um universo paralelo

Talvez seja pelo fato de que o sentimento de possibilidade, de uma vida diferente da sua, de repente se torna claro. Há um elemento inesperado, contrastando com o familiar. Um mergulho, um corte de cabelo, uma visita ao mercado, um serviço religioso: esses são momentos de rotinas que existem em um universo paralelo ao que você tem em casa. É nesse atrito que se dá a percepção do mundano ganhando um brilho novo. Talvez seja isso que a viagem proporciona, em sua melhor forma.

Des Linden, campeã da Maratona de Boston, que participou de duas Olimpíadas e é recordista mundial de ultramaratona, é obcecada por cafeterias. Ela estava voando para a Cidade do México quando lhe enviei uma mensagem, traçando um Mapa no Google das menores cafeterias da cidade, como faz em todas as grandes viagens. Uma semana depois, consegui falar com ela por telefone.

Como corredora, ela passa tanto tempo em pé que precisa encontrar uma maneira de explorar sem caminhar interminavelmente. “Uma xícara de café é uma ótima forma de conhecer um lugar”, observou ela. Na Cidade do México, visitou 12 cafeterias em três dias, aprendendo sobre fazendas nos estados de Chiapas, Oaxaca e Veracruz, no sul, onde todas as cafeterias obtêm seus grãos. “Gosto do coado, porque é uma xícara lenta e prolongada. E prefiro as pequenas cafeterias especializadas, onde você pode sentar e conversar com os baristas. Assim, é mais do que só uma interação meramente comercial.” Ela revelou ter voltado com oito pacotes de café na bagagem.

Modalidade de turismo inclui visitas até cabeleireiros locais para conhecer a rotina de cidades Michelle Perez/The New York Times

Talvez suas peculiaridades o levem a procurar uma loja local de suprimentos para restaurantes para encontrar utensílios de cozinha que você não encontraria em outro lugar. É o caso de Sam Clonts, chef e coproprietário do restaurante 63 Clinton, no Lower East Side de Manhattan, que tem uma estrela do “Guia Michelin”. “Uma loja de suprimentos para restaurantes lhe dá uma visão da história de uma cidade e da especialidade dos chefs de uma região”, comentou.

Em Kyoto, conhecida por sua culinária sofisticada e por sua tradição na fabricação de facas, ele comprou uma faca Deba, projetada para desossar peixes menores, com uma lâmina de apenas sete centímetros e meio. Na cidade espanhola de San Sebastián, com sua longa história de cozinhar sobre fogo aberto, encontrou panelas para saltear especiais, com pequenos buracos, para cozinhar ervilhas e outros vegetais pequenos que normalmente seriam difíceis de grelhar; por toda a Itália, tem adquirido ferramentas e cortadores feitos de bronze para preparar massa.

Talvez você prefira deixar que os pássaros guiem seu caminho. Onde quer que Lisa Morehouse, a jornalista de rádio pública por trás da série e podcast “California Foodways”, vá, ela abre o eBird, aplicativo de ciência cidadã colaborativa, para descobrir o que foi avistado recentemente, e, em seguida, planeja seu dia de acordo essas informações. “É mais ou menos assim: ‘Vou a uma loja vintage, depois vou dar uma passada naquele parque para observar pássaros e em seguida vou ali comprar um biscoito.’ É fácil assim”, disse com uma risada, descrevendo sua visita recente a Nova Orleans.

A observação de pássaros a leva a parques que, se não fosse por isso, nunca visitaria, e também a interações com transeuntes curiosos que perguntam: “O que você está vendo?”

Ouvir as pessoas falarem sobre essas experiências cotidianas e como proporcionam uma visão da vida em outros lugares me faz lembrar por que amo viajar. Uma xícara de café, ou um pássaro que você nunca viu antes, pode oferecer um caminho inesperado para a descoberta. Em vez de observar passivamente, você se envolve tanto com um lugar que descobre uma verdade sobre ele. Isso não é chamativo, e não se trata de fazer uma coisa incomum ou excepcional. Ofereço a você, em vez disso, um cântico de louvor aos lugares cotidianos.

c. 2024 The New York Times Company

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