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Livre e honesta, Jennie abre as cortinas de uma nova era com ‘Ruby’

Idol encontra referências, experimenta e tenta se estabelecer como artista em álbum diverso em sonoridades e temáticas

Música|Isadora Mangueira*, do R7

Capa de 'Ruby', primeiro ábum solo de Jennie Reprodução

Kim Jennie nasce em 16 de janeiro de 1996 em Seongnam, região metropolitana de Seul, na Coreia do Sul. “Jennie Ruby Jane” nasce de uma tentativa de se enturmar com seus colegas de intercâmbio na Nova Zelândia, onde Jennie estudou dos 10 aos 14 anos.

Com uma bagagem de influências estrangeiras, quando adolescente, Jennie retorna a seu país natal e passa pelo árduo sistema de treinamento do K-pop, apenas com a promessa da possibilidade de se tornar uma estrela.

As coisas dão certo para a jovem, que, com 20 anos, estreia como rapper principal do que viria a ser um dos maiores grupos coreanos de todos os tempos: o BLACKPINK. Para além do grupo, com lançamentos solos pontuais, a artista sempre demonstrou vontade — e capacidade — de brilhar sozinha.

Depois de dois singles — Solo, em 2019, e You & Me, em 2023 — lançados sob a YG Entertainment, gravadora que gerencia a carreira do grupo, o primeiro trabalho solo de Jennie sob o próprio selo — OddAtelier — gera altas expectativas entre os fãs da cantora. A administração da YG, que deixou de gerir as carreiras individuais das quatro integrantes do grupo no final de 2023, já havia se provado obsoleta há alguns anos.


Lançamentos repetitivos, impulsionados pela dedicação das integrantes e dos blinks, e pela expectativa provocada por longuíssimos hiatos; o trabalho de Teddy Park, produtor do grupo desde a estreia, em 2016, que consolidou uma identidade, mas falhou em aprofundar qualquer ambição artística que Jennie e suas companheiras pudessem querer desenvolver — era a realidade do que é considerado um dos maiores girl groups do K-pop.

Em Ruby, a idol experiente tenta sair detrás das cortinas de uma indústria tão engessada quanto inovadora, em direção a um caminho de mais liberdade criativa. À Harper’s Bazaar, Jennie afirmou que o novo álbum é uma maneira de “se trazer ao mundo pela primeira vez”.


No single que inaugura a era em outubro do ano passado, Mantra, a artista dá indícios do que a que veio, sem romper com suas raízes na indústria coreana. Com uma batida forte e dançante, e clipe e coreografia aos moldes do K-pop, o primeiro passo dado por Jennie é sólido, mas não muito ousado.

Love Hangover, parceria com Dominic Fike e segundo single do Ruby, é onde uma Jennie diferente da integrante do BLACKPINK começa a aparecer. Um hip hop melódico embala o desabafo de alguém preso no ciclo vicioso de um relacionamento tóxico.


Por mais batida que seja a temática, a maneira como Jennie assume as próprias fraquezas é mais poderosa e honesta que qualquer conjunto de linhas de efeito e um braggadocio raso sobre como garotas são incríveis.

Não que o conceito girl power emulado pelo grupo, e pela própria Jennie, não tenha seu valor — especialmente em uma sociedade conservadora como a coreana, quando mulheres ainda são tratadas com dois pesos e duas medidas na indústria.

E também não é como se ele não aparecesse aqui. Segundo descrição da própria, Mantra é um “hino divertido e upbeat em celebração do poder feminino, que inspira cada mulher a brilhar de seu próprio jeito”. O “jeito próprio” de Jennie parece morar em algum lugar entre seu país de origem e as influências estrangeiras que permearam sua vida e carreira.

A obra é cantada quase completamente em inglês, segunda língua da cantora, e traz diversas colaborações com artistas conhecidos pelo público ocidental. A parceria com a rapper americana Doechii, no single ExtraL, mostra uma intenção clara de penetrar o mercado internacional.

Na faixa, o flow forte de Jennie, em cima de coro da americana, é interrompido por um cantado: “Said, Fuck your rules, is the mood, damn right” (“Danem-se suas regras, é o clima, isso mesmo”, em tradução livre). De fato, as regras que uma carreira de idol impôs à Jennie são tema frequente das linhas mais ácidas do Ruby.

Sampleando a icônica Jenny from the Block, de Jennifer Lopez, em with the IE (way up) a artista aponta dedos aqueles que usam seu tempo livre para avaliá-la e não se arrepende de festejar. Diferente da Jenny humilde de JLO, Jennie com IE se blinda dos haters com um instrumental hip-hop old school.

Já na melancólica, porém assertiva, F.T.S, a cantora se pergunta ao som de um piano o que aconteceu com a liberdade e a honestidade. É neste sentido que Ruby também aborda suas vulnerabilidades, e se torna completo enquanto obra.

Em Handlebars, balada pulsante cantada em dueto com Dua Lipa, Jennie tropeça e se apaixona como uma bêbada, e o amor a derruba com força no chão. No soul de Love Hangover, ela admite não conseguir parar de mentir para si mesma ou se livrar da “ressaca de amor”. Na acústica twin, que encerra o álbum, Jennie, mais uma vez, diminui o ritmo e rememora a perda de uma amizade importante em um desabafo sincero.

Ao abrir mão de uma perfeição calculada, cultuada pela mídia coreana, Jennie consegue explorar uma variedade de gêneros e temáticas com maestria. Suas músicas passeiam entre sonoridades e intensidades variadas, mas não sem um fio condutor que garante a coesão e a fluidez do álbum.

A justaposição de sons é o que mais brilha em Ruby, que oferece uma viagem entre tempos lentos e batidas fortes, que bebe da influência do pop americano dos anos 2000, do R&B e do soul, do rap e do hip hop.

Que experimenta com sons industriais e se rebela contra as expectativas de fãs mais nostálgicos, em faixas como a experimental ZEN, que conta com uma das produções mais robustas de todo o trabalho.

Com ganchos impactantes e forte mensagem espiritual, a faixa compete pelo título de melhor canção do álbum com start a war, que junta força, vulnerabilidade e uma progressão musical conhecida em uma das poucas faixas que não conta com o envolvimento criativo de Jennie, que imprime sua identidade vocal na gravação.

Ao todo, o álbum conta com seis participações especiais — além dos já citados, também colaboram com Jennie o francês FKJ, na melodia de introdução do álbum, intro: JANE, e Kali Uchis e Childish Gambino na sensual Damn Right.

O que parece uma tentativa de se escorar em nomes mais consolidados do mercado, se revela um acerto do ponto de vista artístico. Jennie conversa bem com todos os seus convidados, que inserem um toque particular a cada contribuição e casam bem com o trabalho da coreana.

No entanto, quem espera mais profundidade individual da artista pode se decepcionar. Jennie possui créditos de produção e composição em quase todas as músicas do álbum, mas os compartilha com uma série de outros nomes, em prática, junto ao uso de samples e interpolações, cada vez mais comum na indústria.

Há quem argumente que essas tendências atestem a incapacidade de artistas pop atuais de se sustentarem sozinhos, mas a ambição do Ruby bebe da fonte de produtores experientes que vieram antes dele e constrói um material único. E fica o questionamento, — que a própria Jennie faz em letra — é justo criticá-la quando a indústria musical no geral tem evoluído nessa direção? Talvez sim, talvez não.

Um exemplo de bom aproveitamento disso ocorre em like JENNIE, faixa-título que traz influências eletrônicas misturadas a uma batida de funk brasileiro, e conta com assinatura de nomes como o do DJ Diplo e o rapper coreano ZICO.

Apesar de deixar claro sua reverência à indústria que a projetou, Ruby não é um álbum de K-pop. Influenciada pela peça shakespeariana As You Like It (Como Gostas, em português), Jennie abre as cortinas para uma fase de horizontes mais amplos na carreira, e se distancia das amarras que a limitavam dentro da antiga gestão. A cantora supera a opressão dos holofotes coreanos e entrega um trabalho coeso e embasado artisticamente.

Agora é esperar que Ruby seja um prelúdio para uma carreira internacional promissora, o que Jennie parece almejar. Se conseguir manter o nível de qualidade do álbum, e se aprofundar mais na sua construção de uma identidade artística original, os rubis da coreana têm de tudo para reluzirem cada vez mais fortes.

*Sob supervisão de Camila Juliotti

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