‘Ele discute quem somos’: filha de Ziraldo fala do legado do pai na Bienal do Livro de São Paulo
Livro póstumo reúne imagens de trabalho feito com a amiga Ana Maria Machado
Estante da Vivi|João Acrísio*, do R7
Morto aos 91 anos em abril, o cartunista Ziraldo é o principal homenageado da 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que termina neste domingo (15), com ingressos esgotados. Ganhou até um quadrinho, intitulado Zaudade, do amigo Mauricio de Sousa — aos 88, o criador da Turma da Mônica causou filas gigantescas de fãs em busca de uma selfie no Distrito Anhembi.
Além de ter sido palco de palestras, encontros e debates sobre o quadrinista, o evento ambientou ainda o lançamento do primeiro livro póstumo de Ziraldo, Entre Cobras e Lagartos (R$ 59,90; 48 págs; editora Reco-Reco), um compilado de imagens deixadas pelo artista, com texto do autor infantojuvenil Guto Lins.
Elas haviam sido feitas originalmente para um trabalho com a amiga Ana Maria Machado, De Fora da Arca, de 1996, e foram garimpadas no acervo do Instituto Ziraldo — que, desde 2019, empenha-se em organizar, preservar e divulgar a obra o artista para as novas gerações.
Lins, então, não deixou a oportunidade escapar: “Era um sonho antigo que a gente tinha de fazer o livro junto, ele começando pelo desenho e eu escrevendo, mas nunca conseguimos”.
Ele lembra com carinho dos momentos que passou com Ziraldo. “O legado dele é isso de ele ter formado tanta gente, não só para a arte, mas para a vida. Seu trabalho não se limita aos livros infantis. Ziraldo via a criança como um ser pronto, não como um ser que estava por vir. Tanto que a cobra [capa da obra póstuma de Ziraldo] surgiu primeiro na Playboy. E ninguém nunca o criticou por isso.”
Quando foi homenageado pela Bienal do Rio de 2013, o cartunista disse que viajava pelo Brasil para “transformá-lo em um país de leitores” e “não ficar parado no tempo”.
Ziraldo ficou famoso quando começou a publicar histórias de humor sobre o saci na revista Cruzeiro, e quando criou, nos anos 1960, a Turma do Pererê, primeiro gibi com temática genuinamente brasileira. Durante o período do regime militar, fez críticas políticas no lendário Pasquim e chegou a ser preso.
“Era um gênio como jornalista, poeta, desenhista, escritor e quadrinista. Seu trabalho estava no mesmo nível que outros artistas da época, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Millôr Fernandes, Henfil e Glauber Rocha. O humor gráfico venceu a ditadura”, diz José Alberto Lovreto, o Jal, cartunista e amigo de Ziraldo e de Mauricio.
Filha do artista, Fabrizia Alves Pinto fala do talento e do legado gigantesco do pai. “Ele sempre foi obcecado por quadrinhos. Meu avô o inscreveu em uma escola de artes plásticas, mas ele dizia: ‘Pai, não é isso que eu quero, eu quero fazer quadrinhos”, conta. “Ele via o mundo e o recriava ao contrário, sempre debatendo valores que são até hoje importantes. Ziraldo discute quem somos”.
* Sob supervisão de Vivian Masutti
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.