A minha pior entrevista foi com Beth Carvalho. E a culpa foi minha
Fã da sambista, fiquei sem reação diante dela e não consegui conduzir a conversa com o distanciamento necessário para o trabalho
Ziriguidum|Thiago Calil, do R7
A rotina jornalística, algumas vezes, é cruel. O calor da notícia exige frieza e distanciamento do fato, mesmo que, no íntimo, o sentimento de quem apura e escreve seja completamente o oposto disto. Assim foi comigo no fim da tarde desta terça-feira (30) ao saber da morte de Beth Carvalho.
Com ela se vai, talvez, meu maior pilar no samba. Foi ela que me abriu as portas desse mundo. Foi com ela que decidi que pularia de cabeça nesse universo. Afinal, Beth não era só uma cantora, não trabalhava sozinha. Ela conduzia a história, enaltecia o artista, apresentava quem estava por trás das músicas. Dava referência, conhecimento.
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Quer aprender sobre o país? Ouça a discografia dela. Veja os shows e conheça a cultura de cada povo. Beth cantou o Rio, São Paulo, Bahia, levou o samba para o Teatro Municipal, colocou holofote sobre os compositores, deu um pedestal para Cartola, Nelson Cavaquinho. Beth era o samba. Ela praticamente formou essa geração de ilustres que as rodas reverenciam botequins afora.
Trabalhando no jornalismo de cultura e entretenimento, lidar com artistas sempre foi uma constante do dia a dia profissional. Por isso, era difícil ter espaço para fanatismos ou idolatrias. Celebridades sempre foram sinônimo de trabalho. Até que um dia chegou a vez de entrevistar Beth Carvalho.
Ela estava voltando aos palcos após o primeiro afastamento para cuidar da coluna. Estudei tudo que podia, fiz um roteiro de perguntas e parti para a entrevista. Mas como lidar com Beth Carvalho, com aquela voz, com tudo o que ela significava para mim? Não dei conta. Travei total. Foi a única vez que não consegui reagir diante de um entrevistado. Segui o meu roteiro inicial e olhe lá. Sem dúvida nenhuma, foi a pior entrevista que fiz, totalmente por culpa minha.
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O que consola agora é saber que Beth Carvalho se foi, mas o legado dela é eterno. Afinal, minha depressão de quarta-feira de cinzas vai continuar sendo embalada por Dia Seguinte. E, na hora, de reagir, vou me lembrar Que ainda é tempo pra viver feliz. Se a fé enfraquecer, é hora de cantar Maior é Deus, pequeno sou eu. Quando a vida falhar, a gente reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima. Afinal, Só o amor me ensina onde vou chegar....
Queria poder fazer um texto do tamanho de Beth Carvalho, que marcasse tanto quanto ela me marcou, que fosse como um “Muito obrigado”. Mas, mais uma vez, eu travo. Mais uma vez, não tenho palavras para ela. Por isso, roubo as de Cartola. Devias vir para ver os meus olhos tristonhos. E quem sabe sonhavas meus sonhos por fim.
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