Logo R7.com
RecordPlus
É de Comer

De zumbis a superatletas: conheça o cordyceps, o fungo mais incompreendido do planeta

Cogumelo que ganhou popularidade por causa de série de ficção é comestível, serve para chá e pode melhorar a disposição de quem o consome

É de comer|Camé MoraesOpens in new window

Série "The Last of Us" traz fungo cordyceps como vilão pandêmico Divulgação/HBO

Se você passou os últimos tempos roendo as unhas e olhando com desconfiança para qualquer cogumelo no seu jardim, a culpa é de “The Last of Us”. A série da HBO transformou o pânico pandêmico em arte, nos apresentando a um mundo devastado não por um vírus, mas por um fungo. A ideia de que a civilização poderia ruir por causa de algo que cresce no escuro causa calafrios coletivos. O vilão dessa história? Um fungo com um nome que soa quase nobre:

Cordyceps.

A parte mais assustadora, claro, é que os roteiristas não inventaram esse organismo do nada. O Cordyceps é real e eu provei. Laranjinha, comprei um pacotinho fofo, por R$10, numa barraca de rua numa feira da Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo. Tudo legalizado, da Terraria, antes que alguém se pergunte…

A propaganda feita para que eu levasse esse simpático pacotinho é de que ele pode ser um chá maravilhoso, que aumenta a oxigenação e pode dar um gás na academia, como um pré-treino. “É considerado doping em alguns lugares”, disseram. Pois bem, eu experimentei o cogumelo inclusive antes de ir à academia. E me surpreendi positivamente. É gostoso de verdade. Mas antes de eu entrar no sabor e no uso, vamos aos fatos.


Cordyceps é vendido seco e serve para chás e sopas É de Comer

O apocalipse fúngico que (felizmente) não veio

A espécie Ophiocordyceps unilateralis é famosa por transformar insetos em verdadeiros zumbis. Em um registro recente, o fungo infectou uma formiga, assumiu o controle de seu sistema nervoso e a forçou a subir em uma folha, prender suas mandíbulas em um “abraço da morte” e esperar.5 Ali, em um local com a umidade e temperatura ideais, o fungo finalmente matou seu hospedeiro e brotou de sua cabeça, liberando esporos para infectar outras formigas desavisadas abaixo.

Fundo parecido com Cordyceps de 'The Last of Us'.

Agora, respire fundo. Pode cancelar a construção do seu bunker. A chance de acordarmos amanhã em um mundo dominado por “infectados” é, para o alívio de todos, zero. A transição de uma formiga para um ser humano é um salto evolucionário que faria a viagem à Lua parecer um passeio no parque.


Nosso corpo, com seus confortáveis 37 °C, é um ambiente hostil, quase um forno, para a maioria das espécies de Cordyceps. Em segundo lugar, nosso sistema imunológico é uma fortaleza, comparado ao sistema primitivo de um artrópode. Curiosamente, a premissa da série de que o aquecimento global poderia forçar fungos a se adaptarem a temperaturas mais altas tem um eco assustador na realidade.

Mas a verdadeira história do Cordyceps é muito mais surpreendente do que um apocalipse. E se eu te dissesse que, em vez de fugir desse fungo, há pessoas pagando caro para colocá-lo no prato, em cápsulas de suplementos e até em shakes de academia? Esqueça os zumbis. A realidade do Cordyceps é um universo de gastronomia, bem-estar e controvérsias no esporte de elite. E essa jornada é, de longe, mais fascinante.


Do terror à terrine: o cordyceps no prato principal

Depois de associar o Cordyceps a monstros que estalam os dentes, a ideia de comê-lo pode parecer... indigesta. No entanto, é hora de conhecer o primo bonito e bem-comportado da família: o Cordyceps militaris. Com sua cor laranja vibrante e aparência delicada, que lembra pequenos dedos ou corais, esta é a espécie que saiu das florestas tropicais e foi parar nas cozinhas de chefs renomados e nos mercados asiáticos.

A grande virada de chave que permitiu essa transição do exótico para o acessível foi um triunfo da biotecnologia. Enquanto o Ophiocordyceps sinensis selvagem, que cresce em lagartas no Himalaia, é extremamente raro e pode custar mais que ouro, o Cordyceps militaris pode ser cultivado em larga escala. Ele cresce feliz em substratos nutritivos como arroz integral ou grãos, um processo que não apenas o tornou muito mais barato, mas também removeu completamente o “fator nojo” para os paladares ocidentais.

Hoje, chefs modernos em todo o mundo estão redescobrindo esse ingrediente. Sua forma longa e fina, parecida com um espaguete laranja, e sua textura firme e levemente crocante o tornam visualmente atraente e divertido de usar. Ele aparece salteado com alho e azeite em pratos de massa, como um linguine onde o cogumelo é a estrela em stir-fries asiáticos com tofu e vegetais, onde sua doçura complementa o molho de soja; como cobertura em pães achatados e pizzas gourmet; e até mesmo infundido em chás, cafés e smoothies para um toque funcional. Estudos atribuem ao “cordy” aumento de energia e combate à fadiga. A teoria é que o Cordyceps pode aumentar a produção corporal de adenosina trifosfato (ATP), a molécula que funciona como a “moeda de energia” universal de nossas células.

Também ajudaria o sistema imunológico e tem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Em 1993, no Campeonato Mundial de Atletismo em Stuttgart, um grupo de corredoras chinesas, lideradas pelo controverso técnico Ma Junren, não apenas venceu, mas aniquilou a concorrência, quebrando recordes mundiais nos 1.500 m, 3.000 m e 10.000 m com uma facilidade desconcertante.32 As acusações de doping foram imediatas e ferozes. A resposta de Ma Junren, no entanto, foi surpreendente: ele creditou o sucesso de suas atletas a um regime de treinamento brutal e a uma dieta secreta que incluía sopa de sangue de tartaruga e, o mais notório, o fungo Cordyceps. Foi nesse momento que o Cordyceps saltou das páginas de textos de medicina chinesa para as manchetes esportivas globais.

Mas os estudos em torno do Cordyceps são contraditórios. há igualmente alguns que comprovam melhora da oxigenação do sangue e outros que provam a eficácia como a de um placebo. Por isso, agências como a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) listam o

Cordyceps não como uma substância proibida, mas como um exemplo de produto natural sobre o qual os atletas devem ter cautela.

Uma colher de chá de Cordyceps em uma xícara de água quente rende um chá cheio de sabor
Uma colher de chá de Cordyceps em uma xícara de água quente rende um chá cheio de umami @ehdecomer

Pra quem me acompanhou até aqui, minha avaliação: uma colher de chá em uma xícara de água quente por cinco minutos rende um chá bem gostosinho, que lembra mais um consomé de funghi sechi do que um chá em si. Ele é naturalmente salgado, tem muito umami e você sente o gosto do fungo em toda a língua, principalmente na laterais. O sabor é, como o de todo cogumelo, bem terroso. Lembra um tomate maduro ou milho tostado - mas melhor.

Em vez de usar como chá eu tomaria como uma entrada de um jantar leve, como um caldinho mesmo, numa xícara, acompanhando um queijo de mofo branco ou mesmo umas brusquetas de tomate e manjericão.

Chá do Cordyceps fica bem amarelo quase laranja
Chá do Cordyceps fica bem amarelo quase laranja

Fui pra academia na sequência. Durante o treino não senti diferença alguma, mas passei o dia bem. É possível dizer que me deu uma certa disposição, apesar de não ter melhorado em nada meu desempenho.

No fim das contas ele lembra muito um prato da gastronomia japonesa que eu adoro, o doby mushi - que também é um consomè de algas, funghi e frutos do mar. Enfim, se você quer causar uma sensação em um jantar com amigos, eu iria por esse caminho, unindo folclore e sabor. No fim das contas, não será o fungo que vai nos devorar, e sim nós que devoraremos o fungo.

Me segue lá no meu insta, o @ehdecomer

Para saber tudo do mundo dos famosos, siga o canal de entretenimento do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.