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Papo de Paciente

Continue nadando de braçada, professora

Uma homenagem à professora de natação que me ensinou mais do que apenas nadar

Papo de Paciente|Marcela VarasquimOpens in new window

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Continue nadando de braçada, professora Freepik

Hoje mais cedo eu estava comendo chocolate e brincando com minhas cachorras — duas das minhas atividades de rotina preferidas, que atiçam uma euforia gostosa. Peguei no celular para uma pausa, abri as redes sociais e, bem no fim do Outubro Rosa, meu coração não saiu ileso: se partiu.

Vou explicar: em 2019, decidi que queria fazer natação. Sempre tive medo de água, nunca fui boa nadadora, e me inscrevi nas aulas justamente para enfrentar esse medo e, quem sabe, desenvolver uma nova habilidade.


A natação, naquela época, me ajudou a lidar com mudanças no trabalho, a acordar mais cedo, a me sentir mais disposta, e me deu pequenos prazeres, como tomar o mesmo café, sempre, na vendinha da esquina depois das aulas.

Inacreditavelmente, fui perdendo o medo da água. Um dia consegui mergulhar. Depois aprendi os movimentos do crawl. Mas a felicidade que encontrei ali não veio apenas do esporte ou dos benefícios físicos — veio da professora.


Ela era extremamente simpática, bem-humorada e tinha o dom raro de transformar qualquer aula em gargalhada. A natação me conquistou pelo humor.

Nunca contei a ela que tinha medo de água. Naquela época, eu ainda tinha vergonha de admitir minhas limitações - coisa que hoje faço sem o menor pudor.


Certa manhã, me afoguei. Não porque a piscina fosse funda, mas porque o medo me tomou e entrei em pânico durante um mergulho. Quando voltei à tona, ofegante, a professora me acolheu, me deu um gole de água da sua garrafinha e, naquele gesto simples, desarmou minha vergonha, e eu assumi o que realmente tinha acontecido. Fiquei à vontade porque quem me guiava também era humana.

Meses depois, chegou a pandemia. Os comércios começaram a fechar, tudo era incerto — mas as academias ainda resistiam. Fui à natação, e naquele dia éramos só nós duas na piscina. Brincamos que seríamos as últimas a resistir ao fechamento do mundo — e, mais uma vez, rimos.


Na semana seguinte, as aulas cessaram. Como todo mundo, vivemos meses de isolamento, e cada uma seguiu seu caminho: eu, a professora e a natação. Mantivemos contato apenas pelas redes.

Um ano e meio depois, com tudo ainda meio fechado e o rosto coberto por máscaras, descobri o câncer de mama. Vivi 2022 entre consultas, exames e tratamentos. Entrei em remissão e, algum tempo depois, me surpreendi ao ver que aquela professora, a mais engraçada de todas, também enfrentava o mesmo diagnóstico triste.

O dela, porém, havia evoluído para metástase óssea. Isso é tudo o que sei. Seguimos trocando mensagens. Mesmo passando por desafios que não consigo imaginar, ela continuava fazendo piada e zombando da própria careca. Mas ninguém sabia o peso que aquele sorriso escondia. Nem eu.

Hoje, depois do meu quadradinho de chocolate e das brincadeiras com as cachorras, abri as redes novamente. E o sorriso dela não estava mais lá. No lugar dos vídeos cheios de bom-humor, uma postagem, escrita pela rede de apoio, informava que ela se foi.

Karina morreu neste 27 de outubro de 2025.

Meu coração ficou em pedaços.

“Descanse em paz” não combinaria com ela. Prefiro dizer: continue nadando de braçada, professora! Afinal, não tem o céu a mesma beleza das águas?

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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