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Papo de Paciente

‘Não sei se vou viver por muito tempo’: o câncer nas mulheres da Amazônia

Documentário conta a história de Diana. Ela está com um nódulo no seio que não para de crescer, mas não consegue acesso ao tratamento

Papo de Paciente|Marcela VarasquimOpens in new window

Diana é uma mulher baixa, tem seus um metro e cinquenta e poucos. Carrega nas costas uma saca pesada de laranjas até a beira do rio para vender aos barqueiros. Tem filhos para alimentar, que não abandonam seu colo ou seu abraço o dia todo, e um marido com dificuldades para vencer o vício no álcool. Todos vivem em uma casa apertada, com dois quartos, vários colchões espalhados, e uma cozinha simples com fogão e geladeira. A janela não tem vidro. Se chove fora, também chove dentro.

Mas as limitações sociais parecem até menores diante do obstáculo geográfico. Diana e a família vivem no meio da Floresta Amazônica. Lá dentro da mata, onde onças dividem espaço com cobras, cachorros e aves de várias espécies, está a casa dela. Pequena, simples e distante. Muito distante.

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Para chegar até lá, é preciso desbravar caminhos que nenhum GPS ensina. Apenas um morador antigo habituado às curvas dos rios pôde nos levar até a comunidade, duas horas distante da cidade de Manicoré, por barco. Depois, um morador acostumado com os caminhos da Amazônia nos ajuda a chegar à casa. São 40 minutos de caminhada na terra molhada que aconchega uma mata densa.

Não é preciso repetir que Diana mora longe de qualquer centro urbano, por menor que seja. A única vida que conhece, reproduz: nascer, crescer, ter filhos, roçar, ter netos, morrer.


Distante do caos dos grandes centros, não é errado dizer que Diana tem uma vida dos sonhos para muitos engravatados: respirar ar puro, tomar café sem pressa, regar a plantação. Mas sua vida aparentemente simples tem um preço alto, que ela paga com seu bem mais precioso: a saúde.

Diana está com um caroço no seio direito, que não para de crescer. Não há médicos que vão até ela. Assistentes sociais já a visitaram após fazer o percurso exaustivo de barco, mas dizem que nada podem fazer. Ela foi incluída em uma lista do estado do Amazonas de pacientes que esperam para ter acesso ao FCecon, o único hospital oncológico público de todo o Amazonas, que fica em Manaus.


Acesso à casa de Diana é feito após uma viagem de barco Arquivo pessoal

Essa lista é esquecida. Parece aquele livro antigo que mal aparece na estante e assim sobrevive, sem ser visto, enquanto o tempo voa. Um mês se passou e Diana não foi chamada. O segundo mês passou e a lista parece se afundar ainda mais na prateleira. Ela me pede para tocar seu nódulo: é duro, e cresce. Há chances de ser câncer.

Lá onde Wi-Fi não chega, também não há informação. A família abraça Diana em tom de despedida. Mas o câncer de mama tem altas chances de cura se tratado precocemente, e é difícil convencê-los de que existe um mundo promissor, uma vida em que não somos reféns do que nos acontece.


Existe uma vida em que é possível conquistar, crescer, curar. Mas no pequeno mundo particular de Diana, essa possibilidade soa como um conto de fadas para poucos.

No hospital de Manicoré, que é o mais perto da comunidade onde vive, não há possibilidade de fazer biopsia de mama. Para os médicos que ali trabalham, não há justificativa para excluir esse procedimento. O hospital tem sala de cirurgia e uma boa estrutura para fazer biopsia. Mas não faz.

Diana precisa ir até Manaus para o exame. Como se não bastasse a demora para ser chamada para o atendimento no hospital, ela nunca saiu da pequena comunidade onde vive. Tem mais de quarenta anos, mas é apegada ao seu espaço, aos filhos, à casa. O mundo lá fora é gigante e Diana se sente incapaz de dominá-lo. Mas agora é preciso.

A história quase inacreditável dessa mulher amazonense em busca de um diagnóstico é contada no documentário “O Câncer no Amazonas”, que realizei com o Núcleo de Reportagens Especiais da Record, e está disponível no PlayPlus.

Desafios que vão além do Amazonas

Não apenas a Amazônia Brasileira, mas toda a América Latina tem desigualdades sociais que infelizmente se refletem no acesso ao sistema de saúde. Em outros países de dimensões maiores, os pacientes das cidades remotas são também impactados pelas demoras. O problema é que, no câncer, o tempo conta tanto quanto o potencial dos medicamentos.

Na última semana, participei do seminário “Cada Minuto Conta”, realizado pela Pfizer em Bogotá, na Colômbia. No evento, autoridades da oncologia na América Latina discutiram, entre outros assuntos, as dificuldades de acesso aos tratamentos.

Em sua palestra, Isabela Grueso, diretora de Políticas Públicas para Mercados Emergentes, afirmou que os governos dos países da América Latina precisam dar prioridade ao câncer, com leis que não fiquem só no papel. O acesso equitativo de todos os países à atenção médica é o principal desafio para os próximos anos.

Luis Alberto Suárez, diretor médico de Oncologia para a América Latina, citou o exemplo da Argentina como uma experiência positiva de ampliação da atenção médica.

“Na Argentina, há programas de residência que incentivam o jovem médico a voltar para sua cidade natal, no interior do país. Essa é uma política que garante atendimento nos locais mais remotos, e seria uma alternativa também para o Brasil”, sugere Suárez.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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