Logo R7.com
Logo do PlayPlus
R7 Entretenimento – Música, famosos, TV, cinema, séries e mais

Sopro

Até onde sei|Octavio Tostes

Carlinhos, mascote do Chapecoense
Carlinhos, mascote do Chapecoense

Para o Ed

Admiro quem escreve uma crônica em duas horas. Mais ainda se escreve como quem brinca. Quando trabalhei no Esporte do jornal “O Globo”, no início dos anos 1980, ouvi uma lenda sobre Nelson Rodrigues. O criador dos fantasmas “Gravatinha” e “Sobrenatural de Almeida”, que pressagiavam bons e maus momentos para seu adorado Fluminense, sentava-se sobre uma lixeira de madeira emborcada. Acomodava-se na almofada exclusiva e começava a datilografar a coluna. Levantava para um café, um gaiato acrescentava uma frase ou parágrafo, Nelson retomava do ponto onde o “coautor” parara e o texto saía impecável.

Estou longe disso. Para fazer uma crônica por mês, passo dias, semanas, ruminando o tema. De certa forma, escrevo deitado. Ideias e frases me ocorrem na penumbra da manhã, entre acordar e sair da cama. E também quando estou sentado na prancha de surfe ou na moto. Não raro o assunto escolhido é abalroado por outra ideia. Esta crônica, por exemplo. Ia se chamar “Festa de fim de ano” e falaria do debate político neste 2016 que não para de nos assombrar. Fidel, Trump, Impeachment, Lava Jato. Imaginei um diálogo entre dois amigos, com posições antagônicas, no encontro de nossa turma de faculdade.

Anotei, li, rascunhei, mas empaquei. Não via como combinar, de maneira verossímil, divergência, intolerância, congraçamento e chegar a uma conclusão; ou pelo menos a um registro original. Estava entre insistir e desistir até que no sábado do funeral da Chapecoense, de plantão na TV, almocei com o Ed. É como chamamos o Edvaldo Nunes, veterano produtor de televisão, bom jornalista, criterioso e ponderado. Nos conhecemos há 20 anos. Trabalhamos na Globo e agora na Record TV. Divergimos no Impeachment, eu contra, ele achando que como estava, não podia continuar. A longa camaradagem e o respeito mútuo, no entanto, preservaram nossa capacidade de conversar, ainda que com mais cuidado.


Comentei que a cobertura do funeral era mais um marco em nossas carreiras. 11 de Setembro, Senna, Collor, Tancredo, Diretas… Ele ressalvou que apesar do lugar comum, sentia que nessas horas nós jornalistas registramos a história. Lembrei os versos de Drummond: O fato ainda não acabou de acontecer/ e já a mão nervosa do repórter/ o transforma em notícia.

— Desta vez — continuou meu colega —, em meio ao choque e no fim deste ano desastroso, me emocionei com o gesto do Nacional de oferecer o título ao Chapecoense, a homenagem comovente do povo em Medellín, a solidariedade nos quatro cantos do mundo da bola…


— Um sopro de humanidade … — sondei.

Ed não disse nada. Apenas sorriu.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.