Terra em transe
Até onde sei|Octavio Tostes
Para Rubem e Vanessa, pela conversa boa no bar da esquina de Sampa
Agosto pesado este que se foi. Começou com a re-prisão de José Dirceu acusado de receber pixulecos, encerrou com o Brasil em recessão. Entre os dias 1o. e 31, pautas-bombas na Câmara, recorde de reprovação de Dilma, panelaço anti-PT, manifestações, desacertos da presidente com o vice Temer, Eduardo Cunha e Collor denunciados na Lava Jato, sugestões de renúncia e pedidos de impeachment reafirmaram a aura sombria do mês. Agosto que levou Getúlio, JK, Arraes e Eduardo Campos e varreu Jânio.
Os fatos e, mais, o bate-boca na rede social que frequento forjaram o clima. “Fora, corja do PT!”, “Golpe não!”. “Dilma, vaca surtada!”, “Respeito”. “Lula, semianalfabeto vagabundo”, “Fascistas!”. A sensação era de desmanche - do governo, de valores e da esperança. Brasil em transe, gigante caindo em câmera lenta. Pior, o filme entrou setembro adentro.
O que assistimos hoje tem a ver com a gente e com o mundo. Na janela mais ampla, há o país mais poderoso desde a Segunda Grande Guerra, seus aliados ocidentais submissos e dois ou três estados fortes ali onde a Europa vira Ásia e no extremo oriente. As relações entre eles equilibram-se em diplomacia, comércio e força militar. Nos últimos anos, a hegemonia da nação mais poderosa - se dissesse império você talvez achasse papo de cinema tropicalista do Gláuber de 50 anos atrás - tem sido mantida com a desestabilização de governos em regiões estratégicas, Iraque, Síria, e Líbia. O menino morto na praia da Turquia e o horror do Estado Islâmico são consequência, também, desta geopolítica.
Por aqui estas questões externas misturam-se a outras internas. Há quem veja na Venezuela, Argentina e Brasil os próximos alvos da estratégia de demolir para se apropriar. No que nos cabe, temos 12 anos de governos de esquerda que promoveram avanços sociais históricos, hesitaram na execução de reformas estruturais - as do Jango sufocadas pelo golpe de 64 - e se enrederam na corrupção do capitalismo de compadres (obrigado, Veríssimo), versão atual do nosso patrimonialismo atávico. Saudar a Operação Lava Jato apenas por catarse pode ser um tiro no pé do sonho de Brasil independente. Negá-la é não reconhecer a necessidade de mudar os termos dos negócios com o Estado.
Um arguto professor que tive na faculdade diz que as ideias não morrem. Se vale para a ressurgência da direita, tônica destes dias, vale também para o ideal de esquerda de bem-estar social, igualdade, fraternidade, liberdade. Faz pouco, o PT representou isso. Seu saldo os historiadores avaliarão. O que não se deve é renegar a utopia pelo tropeço dos que ergueram sua bandeira. Mujica que o diga, ouví-lo alivia o transe.
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