Após morte trágica de atleta, o CrossFit enfrenta uma crise de imagem
Lazar Dukic morreu afogado durante uma competição da modalidade, após vários questionamentos sobre a segurança
Viva a Vida|Calum Marsh, do The New York Times
Fort Worth, Texas – Na semana passada, a atmosfera na cerimônia de encerramento dos CrossFit Games na Dickies Arena, local com 14 mil lugares, em Fort Worth, no Texas, sem dúvida foi solene.
Normalmente, a festa é um momento de triunfo para os homens e mulheres nomeados os “mais aptos do planeta”, depois que participam de um torneio de quatro dias envolvendo feitos extenuantes de força física e resistência. Mas as festividades deste ano foram ofuscadas pela morte de um participante no primeiro dia da competição. Lazar Dukic, atleta de 28 anos da Sérvia, morreu durante a prova de natação de 800 metros em águas abertas no Lago Marine Creek.
Veja também
A morte de Dukic, a primeira na história de 17 anos do evento, levantou questões preocupantes, algumas delas já formuladas de longa data, sobre a segurança do CrossFit como regime pesado de treino e competição atlética.
Quando Greg Glassman, personal trainer e ex-ginasta, fundou a empresa CrossFit, em meados da década de 1990, adotou uma abordagem de exercícios radicalmente diferente dos supinos e roscas com halteres que eram comuns nas academias na época. Sua metodologia combinava elementos de levantamento de peso olímpico e ginástica com movimentos envolvendo pesos do tipo kettlebells, máquinas de remo e cordas de pular. “É um programa de condicionamento físico funcional de alta intensidade com variações constantes”, como Glassman o descreveu originalmente.
Os primeiros fãs dos treinos de CrossFit reuniam membros das forças policiais e do exército, associando-os à coragem e à resistência mental. Glassman não reprimiu essa percepção. Quando falou sobre o CrossFit ao “The New York Times”, em 2005, declarou: “Se a possibilidade de cair das argolas e quebrar o pescoço causa muita estranheza em você, então não o queremos na nossa turma.”
Mas parte do apelo da modalidade era que os treinos, embora às vezes extremamente exigentes, pudessem ser adaptados para quase todo mundo. Um atleta podia pular em uma caixa de 75 cm, enquanto outro podia subir em uma plataforma elevada, alcançando o mesmo estímulo, mas com intensidade diferente.
Crescimento rápido
Essa adaptabilidade ajudou o CrossFit a crescer rapidamente nas décadas de 2000 e 2010, mesmo que algumas pessoas vissem seus exercícios como perigosos para amadores. Um dos primeiros mascotes engraçados da marca foi o “Tio Rhabdo”, um palhaço soltando vômito pela boca. Esse nome tem a ver com a condição muscular potencialmente mortal que o CrossFit às vezes provoca (a rabdomiólise é o nome que se dá a sintomas de dores musculares, urina escura e sensação de fraqueza).
A devoção que Glassman inspirou fez com que a prática durasse mais que outras modas fitness. O CrossFit popularizou o conceito de “treinamento de alta intensidade com intervalos” e gerou muitos imitadores, incluindo OrangeTheory, Barry’s Bootcamp e F45. Se você já fez balanço com um sino de vaca (kettlebell swings), arremesso de bola na parede (wall ball shots) ou pulou corda double-unders, sentiu a influência do CrossFit. A prática remodelou a maneira como muitos norte-americanos se exercitam.
Depois que Glassman vendeu a empresa, em 2020, na sequência de um escândalo, a CrossFit mudou sua mensagem para enfatizar ainda mais a adaptabilidade, abandonando o antigo slogan “Forjando a aptidão física de elite”. Agora, a companhia enfatiza que está aberta aos iniciantes. É um retorno à teoria de Glassman que sustenta que “as necessidades do atleta olímpico e de nossos avós diferem em grau, não em tipo”.
Mas o treino CrossFit e os CrossFit Games são coisas diferentes.
Os CrossFit Games são uma competição para atletas de elite, promovida anualmente desde 2007. Foram concebidos “como um esforço de marketing numa época em que a empresa não tinha um departamento de marketing”, disse Adrian Bozman, diretor de competição da CrossFit. Ao longo dos anos, tornaram-se assunto de documentários populares e um evento imperdível para os fãs.
O propósito principal dos CrossFit Games é testar os mais aptos do planeta, desafiando-os a conquistar “o desconhecido e o inconcebível”, para o qual a CrossFit deve prepará-los. Os participantes fazem versões intensificadas de movimentos comuns do CrossFit, como agachamento com levantamento de peso ou barra fixa com elevação corporal, bem como tarefas mais incomuns, como pular caixotes de madeira, bater com uma marreta em um pneu grande ou fazer agachamento com arremesso de bola. Eventos de natação ao ar livre, embora relativamente comuns nos jogos, nunca foram promovidos em uma aula de CrossFit.
Ainda assim, alguns atletas de ponta do CrossFit afirmaram que a competição, frequentemente, leva os participantes longe demais, excedendo o necessário para testar as aptidões. Durante um evento ao ar livre, em 2015, vários competidores desmaiaram devido à exaustão e ao calor intenso. Chris Hinshaw, ex-treinador de Mat Fraser, que venceu os CrossFit Games várias vezes, contou que o atleta quase se afogou durante um evento de natação em 2017. E Pat Vellner, veterano competidor dos CrossFit Games, disse: “Fazia muito tempo que falávamos sobre nossas preocupações com a segurança, mas não nos deram ouvidos.”
Dúvidas sobre a segurança da competição ressurgiram tão logo ocorreu a morte de Dukic. Algumas pessoas contestaram a decisão de organizar uma corrida e um circuito de natação ao ar livre no Texas, justamente no mês de agosto, quando as temperaturas da água estão mais altas e, portanto, inseguras. Outros questionaram se havia salva-vidas e pessoal de segurança suficientes no local.
Na manhã seguinte à morte de Dukic, Dave Castro, diretor de esporte da CrossFit e programador dos Games, declarou em uma entrevista que a segurança “é sempre levada em consideração”. Ele recusou repetidos pedidos de entrevista para esta matéria.
Em seguida à morte do atleta, os eventos daquele dia foram cancelados. Mas, no dia subsequente, depois de horas de deliberação e consultas com outros atletas e com a família de Dukic, os organizadores decidiram prosseguir com uma versão modificada do cronograma da competição. “Passamos muito tempo falando sobre isso e deixamos claro que a decisão deveria se basear em como homenagear Dukic. Se víssemos que a maneira apropriada de fazer a homenagem era cancelar os jogos, com certeza faríamos o cancelamento”, disse Don Faul, atual CEO da CrossFit.
Dos 80 participantes da competição, 13 desistiram imediatamente por causa da decisão de continuar. (Entre aqueles que desistiram na ocasião estavam Jeffrey Adler e Laura Horvath, os atuais campeões masculino e feminino.) Outros atletas continuaram a sair do evento à medida que prosseguia. “Não parecia certo ir para a competição fingindo que tudo estava bem, que tudo estava o.k., fingindo que o show deve continuar. Foi uma tragédia e deveríamos tratá-la como tal”, comentou Arielle Loewen, que estava na disputa.
A Associação Profissional de Atletas Fitness, grupo que inclui atletas dos CrossFit Games, como Brent Fikowski, Annie Thorisdottir e Vellner, pediu a remoção de Castro da posição de diretor esportivo, sugerindo seu grau de descontentamento com a programação do evento que envolveu a morte de Dukic.
Tia-Clair Toomey, de 31 anos, sete vezes campeã da Austrália, que conhecia o atleta sérvio desde os Games anteriores, preferiu permanecer na competição porque acreditava que “era o que Dukic teria feito”. E acrescentou que “Dave e sua equipe buscam tornar cada evento o mais seguro possível”.
Relações divididas
As reações entre os fãs do CrossFit foram igualmente divididas. Rob LaLonde, dono de uma academia de Ottawa, em Ontário, que estava nos Games, passou por “um turbilhão em que eu não sabia o que sentir ou pensar”, mas completou que estava feliz com a continuação dos jogos.
Thea Andreasdottir, atleta da Alemanha, afirmou: “Nunca fui tão afetada pela morte de alguém que eu não conhecia.” Ela colocou a culpa pela morte de Dukic diretamente na organização.
Vellner, o veterano competidor dos CrossFit Games, esperava que a morte de Dukic levasse a uma espécie de acerto de contas entre os líderes da CrossFit. “Mas meu medo é que, no fim, não haja responsabilização.”
Se a morte de um atleta de elite dos CrossFit Games desmotivará outros atletas de competir ou impedirá que praticantes casuais entrem na academia de CrossFit local, ainda não se sabe. A maioria dos entusiastas de longa data dessa atividade física entende que os CrossFit Games são muito diferentes da metodologia de condicionamento físico e que o que acontece em um não reflete no outro. Mas isso está claro para quem vê de fora?
Danielle Brandon, de 28 anos, que participou de seu sexto CrossFit Games este ano, estava entre os atletas que decidiram continuar. Ela afirmou que sempre se sentiu segura na competição, apesar do “risco” envolvido. Enquanto se aquecia para um evento que incluía corrida, exercícios de pés tocando na barra fixa e agachamento com levantamento de halteres de 31 quilogramas, disse: “Para mim, o CrossFit é, em si, meio louco. O que é tão seguro quanto colocar um haltere pesado sobre a cabeça?”
c. 2024 The New York Times Company