Chegou a hora da Chenin Blanc? Com climas secos, uva pouco difundida pode desafiar outras famosas
Ácida e com destaque na África do Sul, a fruta pode ganhar fama com as mudanças climáticas
Quem me conhece sabe da minha paixão por duas uvas em especial: Riesling e Chenin Blanc. E recentemente li um artigo bem interessante do Master of Wine Patrick Schmitt, em que ele reflete um pouco sobre o potencial da Chenin, uva típica do Vale do Loire (noroeste da França) e o quanto ela poderia até enfrentar, em termos de qualidade e estilo de vinho, os grandes Chardonnay da Borgonha.
Pra começo de conversa, explicando um pouco desta grande uva, ela é nativa do Vale do Loire, região maravilhosa de castelos suntuosos às margens do rio Loire e seus afluentes. Uma região majoritariamente de vinhos brancos, mas que tem a Cabernet Franc e a Pinot Noir como uvas tintas de grande destaque também. Mas, sem dúvida, para a maioria dos apaixonados por vinhos, é a região de grandes brancos feitos principalmente com Chenin Blanc e também Sauvignon Blanc, apesar de terem outras tantas uvas.
Porém, diferente da sua parceira de região, a Sauvignon Blanc, a Chenin não é uma uva extremamente aromática, mas compensa isso em sua estrutura e sua alta acidez e potencial para fazer, em alto nível, vários estilos de vinhos, como espumantes, vinhos tranquilos secos e vinhos doces. Em termos de plantações, além do Vale do Loire, ela tem grande destaque na África do Sul e vem ganhando espaço em outras regiões, como Chile, Argentina e Estados Unidos.
Voltando a falar do artigo de Patrick Schmitt MW no site Drinks Business, ele diz lembrar de uma palestra num simpósio do MW em Florença, há quase exatamente 10 anos. Neste simpósio, ele diz que o palestrante na ocasião, o Dr. José Vouillamoz, co-autor do excepcional livro Wine Grapes. José concentrou-se nas castas emblemáticas do futuro, e considerando certas doenças das uvas e a resistência ao calor, ele escolheu 14 variedades obscuras que considerou que mereciam ser muito mais populares. Entre elas estavam algumas uvas brancas, como a Rabigato do Douro e a Kydonitsa do Peloponeso, enquanto as tintas incluíam a Nieddera da Sardenha e a Areni da Armênia.
Apresentado com um elemento de humor, mas fundamentado na ciência, o seu argumento era que o mundo do vinho está centrado em poucas uvas, especialmente quando certas variedades antigas - que se adaptaram ao longo dos séculos a extremos climáticos - são mais adequadas para regiões cada vez mais quentes e condições secas.
É com esse pensamento que o Schmitt acredita que a Chenin Blanc poderia desafiar a Chardonnay – entre outras uvas – caso as tendências de aquecimento nas principais regiões vinícolas continuassem. Na verdade, quando os especialistas em vinho listam alternativas para a Borgonha, que anda cada vez mais cara, os grandes Chenin secos envelhecidos em barricas raramente são mencionados – e ainda assim constituem uma alternativa maravilhosa e viável.
Como eu disse acima, além do Loire, a Africa do Sul, especialmente as regiões de Swartland e Stellenbosch, tem se destacado – e muito – na produção de grandes Chenin, sejam eles mais jovens e frescos, sejam eles com mais corpo e passagem por barrica. E eles podem muito bem, por exemplo, fazer frente aos grandes Chardonnay da Califórnia, dando vinhos de ótimo corpo e com acidez até maior e mais refrescante.
Aliás, essa altíssima acidez da Chenin pode ter sido também o grande motivo de ela não estar mais difundida hoje, pois nem todo mundo gosta de vinhos com a alta acidez que ela traz, mesmo sendo esse um elemento chave para acompanhar comidas. Mas, ao mesmo tempo, com o aquecimento global essa acidez tende a se tornar mais amável e continuar alta. Não à toa, as plantações de Chenin tem aumentado no Vale do Loire, a ponto de ultrapassar as de Sauvignon Blanc.
Mas nem tudo são flores. A parte ruim disso tudo é que a Chenin não é das mais fáceis de lidar, podendo até ser um pouco comparada à Pinot Noir, uva tinta amada pelo mundo, mas de difícil cultivo, por sua delicadeza. Se por um lado ela expressa muito bem o terroir em que está plantada, isso também a torna uma uva que não vai bem em todo canto. Outro ponto importante é que ela é difícil de amadurecer e muito propensa a doenças fúngicas, especialmente a podridão nobre, e para ter bons resultados é preciso manter um rendimento baixo no vinhedo, o que acaba limitando sua produtividade.
A cereja do bolo, que contribui muito para uma aposta na Chenin, vem também no seu potencial de envelhecimento. É uma uva que dá vinhos que podem envelhecer maravilhosamente por anos e anos, o que combinado com a linda acidez e estrutura que ela oferece, a torna uma uva a se ficar de olhos muito atentos.
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