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Papo de Paciente

‘Toda a junta médica acredita que você pode ficar livre da doença’: a paciente que recebeu uma sentença de vida

Mariana recebeu a notícia de um câncer incurável aos 29 anos. Três anos depois, os exames trouxeram uma perspectiva até então improvável

Papo de Paciente|Marcela VarasquimOpens in new window

Depois de três anos, Mariana recebeu uma notícia improvável Arquivo pessoal

Mariana preparava um bolo em casa, e entre a última colherada de açúcar e a próxima de farinha, recebeu uma ligação do médico, pedindo para ir ao consultório. Ela sabia que não era uma notícia que poderia ser dita ao telefone. Era preciso suporte, olho no olho, e a empatia que tecnologia alguma, por mais avançada que seja, sabe transmitir.

No outro dia, às cinco horas da tarde, ela atravessou o Rio de Janeiro. Entrou no consultório com a mãe, o pai, a madrasta e o namorado. O semblante sério do médico economizou palavras. E foi assim, em um fim de tarde como qualquer outro, que aos 29 anos, Mariana descobriu que estava com uma doença incurável.

O câncer que começou na mama havia se espalhado para o fígado: “a partir de agora não vamos mais trabalhar com a cura, apenas com o controle da doença”.

Era junho de 2021, e a frase dita pelo médico visitou Mariana por vários dias. Até então, era uma jovem como tantas outras: dividia a rotina de trabalho com a academia, e namorava havia dois anos. Agora, teria que aprender a se equilibrar entre as pedras para atravessar um rio caudaloso, sem a certeza de que algum dia chegaria na outra margem. Mas Mariana foi além: aprendeu a ser o próprio rio.


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Não foi fácil encontrar os sapatos menos escorregadios para encarar os primeiros pulos Arquivo pessoal

Não foi fácil encontrar os sapatos menos escorregadios para encarar os primeiros pulos. Deslizes eram naturais e esperados, mas Mariana sabia que ser levada pela correnteza não era uma escolha. Se havia outro caminho, ela desconhecia: aprendeu a aceitar o diagnóstico, e encontrar liberdade mesmo nas limitações de um tratamento que jamais teria fim.

Pouco a pouco, os saltos duros se tornaram dança. E a engenheira, acostumada a organizar estratégias e analisar dados, se viu contrariando todas as estatísticas.


A primeira foi em outubro de 2021, três meses após o início do tratamento. O pet scan feito apenas para acompanhar o comportamento da doença mostrou que dois mais dois nem sempre são quatro: para a surpresa da medicina, o tumor na mama e a metástase no fígado haviam rapidamente entrado em completa remissão.

Seo João, o pai de Mariana, antes mesmo de ler o resultado do exame, chamou a filha: “vem ver um milagre!”. E desde então, os dois se acostumaram a confiar no que os artigos científicos ainda não publicaram.


Todo outubro dá boas-vindas a uma nova primavera. Mariana celebra a chegada do mês com uma experiência que a faça se sentir viva, bem viva. Ano passado, família e amigos prepararam uma homenagem, transmitida em um vídeo em plena Times Square. Foi a coroação pública de uma rotina anônima, aquela que não aparece em fotos.

Mariana faz tratamentos na clínica ao menos duas vezes por mês, e nos outros 28 dias produz o próprio remédio: faz atividade física, se alimenta de forma saudável sem exageros, trabalha como se não vivesse um turbilhão e, apesar de algumas paredes terem desmoronado, cultiva bons pensamentos sobre si e sobre a vida.

Na academia, Mariana ajuda a produzir o próprio remédio Arquivo pessoal

Pode parecer contraditório, mas depois de aprender que a morte existe e não dá avisos, agora Mariana terá de reviver a sensação de fazer planos para o futuro.

Era dia 12 de agosto. Na conversa com o oncologista, ganhou uma nova roupa para vestir, diferente dos aventais para fazer exames. “Toda a junta médica acredita que você é uma paciente que pode se ver livre da doença”.

A mulher de postura jovem, enérgica e apressada, ouviu do médico o que não previa, e saiu da consulta com uma sentença de vida.

Embora o câncer metastático seja considerado incurável pela medicina, especialistas têm presenciado pacientes que conseguem ter o controle da doença por toda a vida, como se fosse a cura — sem precisar mais de tantas injeções, nem tantas idas ao hospital.

Mariana ainda procura as mangas da nova roupa para encaixar os braços. Não é fácil para uma engenheira, tão acostumada à exatidão dos dados, aprender que anos depois o resultado de uma mesma conta pode ser outro.

Enquanto estuda a matemática da vida, Mariana desembrulha sonhos. Sem a necessidade do tratamento, poderá fazer um intercâmbio, como sempre quis. Quem sabe, apreciar a aurora boreal e outras vistas paradisíacas.

Um vislumbre do infinito a visita como um sol invade a fresta da porta. Levanta, respira e se veste, Mariana! Ainda há muito por viver.

Conheça mais sobre Mariana Damázio em @curasdiarias.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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