Impressões de aprendiz
Para toda a galera aqui , com admiração e com afeto
Até onde sei|Octavio Tostes
Na última aula do ano, em Santos, Cisco Araña, dono da escola, estava de alma lavada com o título mundial de surfe que Medina tinha acabado de conquistar para o Brasil no Havaí. Sem onda na praia do Gonzaga, a aula foi de fundamentos. Levamos as pranchas até onde não dava mais pé. Sentados, fizemos um círculo e alternamos exercícios e nadadas de uma prancha a outra. Apnéia, viradas, manuseio. Atenção, silêncio, um e outro riso. Depois remamos. Meus braços nunca me pesaram tanto em 56 anos. No final, Cisco reuniu os alunos no raso, agradeceu o ano, o mar, a vitória do Gabriel e puxou um Aloha entoado por todos..
Domingo seguinte, sem aula na pausa do Natal, voltei sozinho. Levei minha long branca com hibiscos azuis, graça havaiana. Um senhor todo equipado - chapéu, neoprene, botas e borracha antiderrapante -, também aluno da escola, descia bem as ondinhas em que eu mal entrava. Observou que eu estava deitado muito na frente e por isso a prancha afundava. Contou que tinha começado em agosto (como eu); feito aulas quatro vezes por semana (quem me dera) e passado três meses treinando a subida no embalo das espumas. Saí arrasado. Digitei uma mensagem para minha namorada no Rio: “Mal, hoje. Uma quase subida, escorreguei.. E só”.
Na semana do réveillon, de folga na TV, fui ao Rio mas nem peguei na prancha. Surfei “Outras ondas”, livro de Fred D´Orey, presente da Cecília e da Tucha, filhas da Marina. Em textos fluidos e precisos, Fred, surfista e jornalista carioca, conta sua iniciação no Arpoador e Quebra-mar dos anos 70 e surf trips pelo mundo: Peru, El Salvador, México, Austrália, África do Sul, Angola, Libéria, Indonésia, Índia e o mítico Havaí. Fascinado descobri palavras - haole, reef, morra - e ídolos: Duke Kahanamoku, Eddie Aikau, havaianos; Mickey Dora, Kelly Slater, claro, americanos; Michael Peterson, o louco, Simon Andersen, inventor da prancha triquilha, sacada genial, australianos; Cauli, Pepê, brasileiros campeões e Valdir Vargas, Jefferson, anônimos.
Para não dizer que não fiz nada, nadei. Um dia na Barra, três na piscina. Ganhei um elogio do Pedro, advogado especialista em esporte e namorado da Tucha. Mal sabe ele quanto me custou em dor na perna direita aquela caprichada no crawl para melhorar a resistência.
Quando você ler esta crônica, estarei em Itacaré, na Bahia, com a Marina, fazendo aulas de longboard. Agora, enquanto fecho o texto, contemplo na estante acima da tela do computador o móbile de um surfista que ela me deu no Natal. A mesma brisa que o faz girar entre livros de história, jornalismo, literatura e caóticos papéis, espero me ajude a descer em pé espumas e marolas.
Feliz 2015.
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