Logo R7.com
Logo do PlayPlus
R7 Entretenimento – Música, famosos, TV, cinema, séries e mais

Surfe da Terceira Idade

Para todos os citados, com admiração

Até onde sei|Octavio Tostes

Doc Paskowitz (Foto: Acervo pessoal)
Doc Paskowitz (Foto: Acervo pessoal)

Seu Francisco tem 82 anos e surfa há uns dez. Conheci-o no chuveirinho da Praia da Pompeia, em Santos, depois de uma aula de domingo. Sorria. Ligeiramente curvado, disse que um acidente tinha afetado a base da coluna e o ortopedista sugerido operar. Preferiu o surfe. Começou no bodyboard e passou para o pranchão. A mulher, D. Edmea, surfa também. Os dois adoram dançar, fizeram sucesso num cruzeiro.

Dona Haydée mora em São Paulo. Pega o ônibus, dorme no apartamentinho em Santos e vai a aula de body de quarta a sexta. Branca, branca, maiô, rechonchuda, olhos azuis simpáticos. Na segunda vez que nos vimos já me mandou um ô, meu amigo. Estava chateada, queria mais atenção do professor.

Dona Regina, de 67 anos, era só alegria na manhã nublada. Pegava a onda, subia devagar na prancha, deslizava, às vezes pulava no raso, noutras caía, ria. Estava perto dela quando passou o Vítor, magrinho, comprido, mandando bem e, marrento, ainda ficou numa perna só como um saci branquelo. Dona Regina e eu nos olhamos cúmplices na admiração da destreza. Na saída, ajudando-a a carregar a prancha, eu disse: Rapaz, valeu aquele hang five; quando eu crescer quero surfar igual a você. Ele não entendeu, ela riu de novo. Na caminhada pela areia até a escolinha, contou que um dia, passeando com o marido pela orla, viu os surfistas e disse que ia aprender aquilo. “Tá doida, mulher”. Oito anos de bodyboard e um câncer de mama depois, escorrega na água feito uma menina no play.

Vase, como a gente chama o Vaselina, cai todo dia (cai é gíria para entra no mar). Quando tem onda, pega; quando não, rema para manter a forma. Cabelos brancos, rabo de cavalo, tatuagens discretas, pega todas. Quando fazia doutorado em Arquitetura no México, o pai deu uma força, ele alugou uma Kombi e desceu com amigos até o Peru em 565 dias de surfe. Aos 66 anos, Vase surfa desde os dez. Tem de praia os mesmos 56 que tenho de vida. A dele é outra história.

Como a de Doc Paskowitz, lendário surfista americano sobre quem li estes dias. Médico por Stanford, quando se separou pela segunda vez sentiu que havia algo errado na vida. Casou de novo e foi viver na praia. Teve nove filhos criados no home car em que a família caçava ondas nas duas costas dos EUA. Dava aulas de vez em quando para fazer algum dinheiro. Houve conflitos. A disciplina era militar e a privacidade, nenhuma. Doc montou um surf camp famoso na Califórnia. Judeu, fundou o Surfing 4 Peace e distribuiu pranchas em Gaza. Dizia que é mais fácil morrer quando se viveu do que quando não; por isso, recomendava aos jovens construírem memórias bonitas para não irem embora sozinhos. É ele na foto. Foi-se ano passado aos 93. Entrou no céu de mãos abanando. 

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.