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Se eu fosse eu

Sem patrocínio, com sede de arte

Faz de conta que conseguimos

Se eu fosse eu|Renata ChiarantanoOpens in new window

A máquina de escrever no colo. Clarice no palco. A direção criativa e auspiciosa traz a escritora dividida entre ela mesma e as duas personagens profundas que criou: Lóri e Ulisses. Assim é “O Livro dos Prazeres”, peça baseada no livro “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector.

“Faz de conta que tudo que tinha não era faz de conta, faz de conta que ela não estava chorando por dentro...” Enquanto Lóri devaneia e decide se vai se entregar a Ulisses, a equipe faz de conta que tem patrocínio, faz de conta que não está chorando por dentro. A vontade e a honra, juntas, para homenagear Clarice fazem qualquer faz de conta virar verdade.

“Foi muito difícil escolher as frases, tudo é lindo”, diz a atriz Melise Maia, que adaptou o livro para os palcos, e como Clariceana persistente, fez de conta que era possível.

O tom professoral de Ulisses, irônico e pernóstico, incomoda e agrada ao mesmo tempo. O ator Caio Paduan teve apenas dez ensaios para incorporar o professor de Filosofia que sabe tudo. Sabe amar, sabe esperar, sabe desejar.


“É uma homenagem à Literatura brasileira, clássica, potente e romântica... No mundo em que o amor está tanto em falta, o teatro vem falar de amor, vem falar de Clarice”, diz Caio Paduan.

A peça fala de amor, sim, das pequenas violências que nos salvam das grandes, dos piores momentos que podem se transformar em intensa alegria. De se cansar porque não se para de “ser”. E no meio de Lóri e Ulisses, Clarice entra em cena, pincelando questionamentos.


Ernesto Piccolo, diretor da peça, quis trazer a “gênia”, (palavras dele e de Cate Blanchett), para perto do casal mais vintage dos últimos tempos. “Quis trazer uma licença poética para ter as loucuras teatrais...”

E lá vem ela, com a máquina de escrever, o cigarro e tanta pergunta que a plateia ora se questiona, ora se diverte. Ernesto transformou o impossível em realidade. E trouxe para o palco do teatro Ruth Escobar frases de outros textos de Clarice que atravessam séculos: “Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.”


Depois do sucesso da temporada no Rio de Janeiro, a peça “O Livro dos Prazeres” está em curta temporada no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, às quartas e quintas-feiras. Coragem da equipe em montar uma peça sem patrocínio, o mesmo que enfrentou a atriz Ana Beatriz Nogueira para encenar “Um Dia a Menos”, conto esquecido e arrasador de Clarice Lispector.

Ana Beatriz juntou as economias e pagou do próprio bolso para exibir a obviedade de Margarida Flores do Jardim. “É que as coisas simplesmente não eram do seu lado...” diz o texto de Clarice. Ana Beatriz não quis ser óbvia como Margarida Flores do Jardim. Com apenas uma cadeira, um telefone e muitos questionamentos, seguiu à risca e vírgulas o conto “Um Dia a Menos” nos palcos brasileiros. “Ela era tão genial (palavras dela e de Cate Blanchett)

Enquanto Cate Blanchett, atriz premiada do Oscar, se emociona quando cita Clarice Lispector, nossas Margaridas Flores do Jardim, nossas Lóris e Macabeás, lutam nesse faz de conta de que somos valorizados, Cate.

Afinal, se não há coragem, que não se entre. Disse Clarice, disse Ulisses. Dizem todos com sede de arte.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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