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Patricia Lages

Como o excesso de prazer se tornou fonte de infelicidade

Neurociência aponta excesso de recompensa como causa de infelicidade, e smartphones como "fornecedores de dopamina digital"

Patricia Lages|Do R7

Smartphones dão acesso a tudo que traz prazer, como comida, compras, entretenimento, sexo, drogas, etc.
Smartphones dão acesso a tudo que traz prazer, como comida, compras, entretenimento, sexo, drogas, etc.

Segundo a Dra. Anna Lembke, psiquiatra e professora de Medicina de Adicção da Universidade de Stanford, o aumento pela busca de recompensas imediatas — os chamados estímulos compensatórios — tem deixado a sociedade moderna cada vez mais infeliz.

Em seu livro “Nação dopamina — Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar”, Lembke cita que a dopamina, conhecida popularmente como hormônio da felicidade, funciona como uma espécie de medidor do sistema de recompensa do cérebro e que, quanto mais dopamina uma experiência proporciona, mais viciante ela se torna.

Vivemos na época de maior abundância da história e, com a chegada dos smartphones, ganhamos amplo acesso a tudo que traz prazer, como comida, compras, entretenimento, sexo, drogas etc. Para a psiquiatra, esses dispositivos atuam como fornecedores de “dopamina digital” de forma praticamente infinita, transformando o que seria apenas uma ferramenta tecnológica em uma fonte de felicidade instantânea. “Se você ainda não descobriu sua droga preferida, ela logo estará em um site perto de você”, afirma Lembke.

Usando a oniomania (compulsão por compras) como exemplo, vemos que, com as lojas online, a experiência do consumo ganhou camadas extras de prazer. As “pílulas de felicidade” começam com a euforia de decidir o que comprar, continuam durante a expectativa da entrega e chegam ao clímax com a abertura do pacote. Não é à toa que os vídeos de “unboxing” (abertura de caixa) se tornaram tão populares nas redes sociais.


Estima-se que 3% da população brasileira sofra com a doença, um percentual três vezes maior do que nos Estados Unidos, levando mais de seis milhões de pessoas ao endividamento e, em alguns casos, à falência financeira. Isso porque, como acontece com qualquer tipo de vício, a euforia que ele proporciona — frequentemente confundida com felicidade — acaba cada vez mais rápido e, para receber uma nova dose de prazer, é preciso repetir a experiência com uma frequência cada vez maior.

Prazer instantâneo e fuga do sofrimento

Segundo Lembke, a busca desenfreada por prazer instantâneo representa, ao mesmo tempo, uma fuga do sofrimento, pois as pessoas estão perdendo cada vez mais a capacidade de tolerar desconfortos, até mesmo em suas menores formas. “Constantemente, procuramos nos distrair do momento presente, nos entreter”, afirma a doutora.


Tanto as distrações quanto a fuga do presente são bem fáceis de perceber no nosso dia a dia, afinal, tem sido cada vez mais comum a necessidade de se repetir quase tudo o que é dito ou que haja inúmeros ruídos em qualquer tipo de comunicação. A impressão que se tem é que boa parte das pessoas, embora estejam com o corpo presente, estão com a mente ausente.

O assunto é complexo e envolve diversas áreas da ciência, porém, considerando o que se sabe hoje em dia sobre dependência, pode-se afirmar que, na balança entre prazer e sofrimento, a prática prolongada de todo tipo de vício pesa mais para o lado do sofrimento. Sobre isso, a psiquiatra afirma: “Nosso ponto de ajuste hedônico (prazer) muda, conforme nossa capacidade de vivenciar o prazer diminui e nossa vulnerabilidade ao sofrimento sobe”.

Ou seja, o mundo de hoje é um imenso paradoxo, onde a busca desenfreada por recompensa, prazer e felicidade adoeceu grande parte das pessoas, tornando-as viciadas, dependentes e infelizes. O mundo precisa reaprender a enfrentar o sofrimento e a desintoxicar-se de recompensas instantâneas para, enfim, poder desfrutar de um pouco mais de felicidade.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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