Até já, d. Ricarda
Até onde sei|Octavio Tostes
Até já, d. Ricarda Soube pelo Facebook, no celular, antes do café da manhã. A notícia chegou no post de seu sobrinho Raul Leal e o sorriso na foto era um adeus. Como acontece nestes momentos, me vieram os versos de Cassiano Ricardo que li adolescente e jamais esqueci: “Diante de coisa tão doída/ Conservemo-nos serenos/ Cada minuto de vida/ Nunca é mais, é sempre menos”.
Num relâmpago revi um menino de calça curta azul-marinho e camisa branca, escudo no bolso. O uniforme do Grupo Escolar Ferreira da Luz, em Miracema (RJ), onde fui colega de seu filho mais velho. Para mim a senhora foi primeiro a mãe do Jadinho. Bondosa, muito ligada nas coisas da igreja. Depois, ao lado de seu Joel, atuou com meus pais no grupo de casais. Nos reencontramos não faz nem três anos após o convite para escrever crônicas para seu jornal “Liberdade de Expressão”. Enviava o texto por email e aguardava o comentário. Me impressionou sua fé. Quem não a conhecesse era incapaz de imaginar que tivesse perdido dois filhos. Ultimamente despedia-me com um Até já.
Dissipadas estas lembranças, liguei para minha mãe, apreensivo. Nos unimos na consternação.
No mesmo dia, arrumando papéis, achei o jornal de fevereiro de 2015 com a crônica sobre o falecimento de seu Joel. Contava que soubera por um post do nosso querido Adilson Dutra também no Facebook. Dedicava à senhora e família reflexões do miracemense notável José Maria de Aquino, amigo comum, e versos de Drummond: “Não há falta na ausência./ A ausência é um estar em mim (e uma vez assimilada) ninguém a rouba mais de mim”. Sua resposta me tocou: “Sentimos em suas palavras o alento de Deus em nossas vidas”.
Reli seu “Cantinho das Trovas”, todo tristeza e premonição dois anos antes. Em “Violetas”, as flores choraram. “Cadeira”, cobriu-a seu pranto por não querê-la vazia. “Voz” dizia que a voz de seu Joel continuou na senhora e uniu suas almas em cada espaço da casa. “Luz” professou: “Não existe para nós a morte./ Somos um só coração”.
Esta sua trova ressoou os versos de Cassiano Ricardo no poema “O Relógio”, aquele de que me lembro nessas horas. “Ser é apenas uma face/ Do não ser, e não do ser/ Desde o instante em que se nasce/ Já se começa a morrer.” E a quadra “Possível”, escolhida por seu filho Peter para agradecer na rede social as manifestações de pesar, tornou a sintonia mais fina: “Não duvidemos da sorte./ Tudo pode acontecer./ O que é vida vira morte./ O que é morte vai viver”.
O tempo voa, d. Ricarda, e nos leva ao mesmo fim. Cada alma um caminho. Em todos, palavras como as que semeou consolam e celebram; animam, temperam; permanecem e transcendem.
Até já,
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