CARTA ABERTA
Até onde sei|Octavio Tostes

São Paulo, 22 de agosto de 2016
Mano,
Estou para te escrever desde o almoço em família quando você perguntou como eu, de esquerda, via aquilo tudo. Lava Jato, corrupção do PT e o Brasil desmanchando. Os fins justificavam os meios?
Ponderei que discutir só pelo que a mídia destacava servia pouco, por parcial. Você argumentou que sem referência não há debate. Entre rostos tensos e vozes alteadas - “empresário também trabalha, e muito!” - o que seria uma análise da conjuntura virou um áspero debate coletivo de filosofia política. Encerrado quando afirmei: chega uma hora em que é preciso definir de que lado se está. E lado era classe: rico, pobre, privilegiado, excluído.
No dia seguinte seu telefonema aliviou meu mal-estar. Você agradeceu as explicações e achei que estava sendo mais generoso do que sincero. Seu gesto preservou o vínculo que nos une há mais de meio século; mas não impediu que sobre nós se abatesse o silêncio do interdito.
Aquele assunto que se evita pelo cuidado com o outro e consigo próprio. E não apenas entre você e mim. Também entre nós e os amigos próximos e distantes reunidos nas redes sociais. Mais nebuloso é este silencio quando permeia o casamento. Falar de política, que deveria ser diálogo para nos tornar cidadãos mais conscientes, acaba em debate cruento - de ódio insuflado - ou interdito sufocante.
Quase dois anos depois, chegamos a este agosto. À tradição sombria na política - suicídio, renúncia e acidentes suspeitos - juntam-se a morte tramada do impeachment de Dilma Rousseff e a sobrevida procrastinada da cassação de Eduardo Cunha.
Arrisco responder sua pergunta. A Lava Jato é uma força independente, fruto da autonomia que a Constituição de 1988 deu ao ministério público. Mas suas ações foram instrumentalizadas na luta política. A corrupção do PT, desalentadora diante do discurso da ética de quando nasceu, não é a primeira nem será a última de nossa história. Em que pesem todos seus desvios, os governos petistas deram uma guinada nos rumos internos e externos do Brasil. Em direção a menos desigualdade - nó principal - e a mais soberania - perspectiva possível.
Foi contra essa guinada que, como em 1954 e 64, forças ocultas internas e externas se articularam. O discurso moralista impôs-se, apesar das contradições diárias nas entrelinhas do noticiário. O que vem pela frente - arrocho, restrição de direitos trabalhistas e sociais -, alardeado como retomada, é no fundo arranjo para manter privilégios. A tensão social vai aumentar, muito.
A saída, quando houver, será pela política - resgatada da criminalização a que foi submetida por interesses escusos. Para tanto, teremos de reaprender a conversar.
Com afeto,
Seu
Octavio