FELIZ NATAL
Até onde sei|Octavio Tostes
Meu Rimão,
Tenho lembrado de Você com carinho desde que passei a cuidar de meus sapatos. Dois pares iguais, marrom e preto, de sair e muito maltratados, renasceram nas mãos do sapateiro do bairro. Engraxo-os e os uso para bater no trabalho com um ar de menino bem comportado. Meu único mocassim recuperou um discreto brilho depois que o limpei, hidratei e lustrei. Lembra do canto da escova de crina polindo o couro a galope?
Suas botinas de correr a roça a cavalo, riúnchas, como andam? Vejo-o tirando-as na descalçadeira do pai que guarda com saudade. Chapéu, grisalho, manga comprida e suado, você o revive no começo das tardes de sábado. Minha bota de andar de moto comprada em Miami há sete anos também foi tratada. Só quando a tive na mão, percebi quanto é bem feita a par de rústica: protetores para os tornozelos, bico e calcanhar reforçados. Notei no pé esquerdo as cicatrizes do tombo na estrada de terra na viagem a Diamantina.
Quando me entrego a esses cuidados volto a ser o menino encantado com escovas, flanelas, latas de graxa Odd e tubos de Zezo em caixas de sapato no armário do fundo do corredor da fazenda onde fomos criança. Revejo as caixas de madeira, sujas, dos pequenos engraxates em frente à gruta da matriz de Miracema. Ouço a batucada que batucavam ao dar o brilho. Sorrio, solidário; e compadecido.
Queria muito ser o bom menino da vovó Emerenciana que cuidasse dos sapatos. Mas desatenção, volúpia e preguiça impediam. Esse fracasso miúdo, íntimo e cotidiano se acentuou vida afora. De vez em quando a vontade voltava recalcada, eu comprava as ferramentas, engraxava uma, duas vezes e... Como emagrecer e engordar, tango cujo bandoneon conheço na pele. Agora o ânimo que completa um ano de surfe e me leva a pesar menos de 100 kg depois de 20 anos sinto também para cuidar dos sapatos e de mim com alegria de ressurreição.
Outra boa lembrança desse nosso gosto por sapatos, você e eu escolhendo seu top sider no shopping de Botafogo onde era a Sears dos milk shakes com vovó Edmée, inspirou esta crônica e um presente. Sabe aquilo de deixar um sapato para o Papai Noel? No domingo, no envelope que te entregar na casa da Bel - como os do vovô Roberto, vovós e bivó Maria com tutuzinho -, estarão para tomar a forma do calçado de seu desejo sua “festa de Natal” como dizia a Dôia nossa babá, teu presente pelo aniversário do ano que vem, minha ternura e meu amor.
Seu,
mano Mais Velho
P.S: Duca, obrigado pelos novos bilhetes sobrescritos nos envelopes com o “Liberdade de Expressão”. Feliz Natal para Você também e todos os seus.
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