Mestres
Até onde sei|Octavio Tostes
Para d. Ruth, d. Orlanda e sr. Lavaquial (em memória) e Nilson Lage
D. Ruth é inesquecível. Ruth Passos de Castro, primeiro nome que aprendi a ler nos cadernos que minha mãe encapava com papel pardo, plástico e etiqueta de borda vermelha. Magrinha, empertigada e severa, d. Ruth era doce quando sorria. Jornalista metido a cronista, toda vez que lembro dela agradeço ter me ensinado a escrever.
Depois, no mesmo grupo Ferreira da Luz em Miracema (RJ), teve d. Orlanda. Morena, rosto redondo, óculos de lentes verdes e grossas, risonha. Foi na turma dela que escrevi minha primeira redação “de sucesso”, sobre produção de leite de que ouvia meu pai falar à mesa na fazenda. O imenso carinho por d. Orlanda transferi ao Sérgio, seu filho, e a revejo nas fotos dele no Facebook.
Professor Lavaquial, José Lavaquial Biosca, filho de um confeiteiro e uma costureira catalães emigrados para o Brasil no fim do século XIX, marcou o ginásio. O bolso direito do paletó manchado de giz, enérgico e devotado ao saber, era a alma do colégio que mantinha em Santo Antônio de Pádua (RJ). Me impressionava a amplitude dos conhecimentos. Poesia, filosofia, história, física, química, biologia e, paixão, a matemática. Queria ser enterrado de pé, para não tombar nunca.
Nilson Lage foi o professor de quem mais gostei na Escola de Comunicação da UFRJ. Óculos grandes, a testa acentuada pela calvície, confirmou o que eu desconfiava: jornal (e a mídia, por extensão) é indústria. O texto jornalístico segue um padrão para que a edição possa ser feita de um dia para o outro. Apesar de todas as dificuldades, é sempre possível perseguir a verdade, entendida no jornalismo como o relato mais adequado às evidências da realidade. Muito do pouco que sei deste ofício que exerço há 35 anos devo a ele.
Quando tanto se fala da importância da Educação e pouco se vê - ou se divulga - o que se faz de fato nesta área me pergunto: o que houve nos 50 anos que separam o aluno que fui no Ferreira e hoje para que a escola pública mudasse tanto e, parece, para pior? Numa troca de mensagens, mestre Nilson esboçou a resposta: faltam creches e pré-escola e escola fundamental em tempo integral; o segundo grau é o gargalo porque impedidos de trabalhar e sem apoio cultural, desportivo e cívico, os jovens são condenados à ociosidade com todos os riscos decorrentes; os recursos são mal aplicados e a gestão escolar, deficiente. Contesta-se a disciplina tradicional sem se proporem alternativas. E não há incentivo à formação de professores.
Superássemos estas falhas e no fim deste século XXI leríamos - fruto de esforço coletivo e não apenas de gênio individual - a literatura preciosa de um novo Machado de Assis, mulato como o primeiro.
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