Mistérios do Chapéu da Máfia
Até onde sei|Eugenio Goussinsky
Para ele Réveillon não era apenas a expectativa da transição para o futuro. Via à sua frente, no rito de passagem, o acúmulo dos anos. Tinha uma íntima conversa com o tempo, trocando afagos e sussurros ao pé do ouvido da memória, embebido na sedução de seu canto de sereia.
Sempre foi uma ocasião para misturar em suas lembranças as imagens da infância, de outras festas em salões que também serviam de palco para reflexões. Insistente vivência de Deja vu... a se repetir na espiral da idade, sob a marca dos dias, mas renovada em cada ressurgimento.
Foi assim naquela festa de fim de ano, já adulto, no meio de uma distante colina no interior paulista. Os hóspedes foram se sentando ao redor das mesas no grande salão do hotel. Eventos assim, para ele, têm um "plus".
Menos urgência, menos decisões fatídicas. A contagem regressiva estava no fim. Já não havia tempo para lamentações. Os vestidos longos das mulheres maquiadas, os brilhos, nos olhos e nas luzes, os sorrisos espontâneos, as gargalhadas durante a dança davam um tempero à nostalgia.
Uma vez, em Campinas, se aventurou pela adolescência a enfrentar a estrada à noite, e foi à famosa danceteria Pacha, que já nem existe mais. A performance de atores de rosto pintado, ao estilo clown, dublando a música tema do filme Ao mestre com carinho, o tirou da solidão.
No rastro da canção, veio um eco de esperança tão significativa em sua meninice, encenada em um lugar tão distante de seu universo, que se tornou inesquecível.
Neste ano, sentiu algo semelhante enquanto a banda se apresentava com envolvimento e tocava temas internacionais, integrando o mundo inteiro àquele cenário no meio do mato.
Não, não são as drogas, inspiradoras de William Blake para a sua "portas da percepção". Nem a sua dúvida sobre o porquê de a banda usar chapéus dos anos 30 e se chamar Chapéu da Máfia.
O mundo renasce a cada dia, de acordo com várias religiões. E renasce enquanto garçons recolhem restos de esperança, às três horas da manhã, espalhados por guardanapos usados, copos manchados de batom, contabilizando a saudade pulsante no palco vazio, dizendo ao mesmo tempo adeus e até breve.
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