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Pelas gárgulas de Quasímodo 

Até onde sei|Carmen Farão

Livre arbítrio: (sm) - possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.

Se é assim, creio que nunca exerci tal liberdade. E, se não, livre ainda não fui.

Escolhera os livros que lera, os filmes que fizeram a sua cabeça, as músicas que gostava de cantar, o caminho que preferia acreditar que seguiria a humanidade. O que considerava sua vocação e ofício. A lisergia juvenil e pequenas quebras da conduta moral faziam a adrenalina – essa sim – dar as coordenadas. A mesma que aparecia no medo, na culpa e no distanciamento da tal liberdade.

Santo Agostinho já dizia no seu Libero Arbitrio: liberdade é outra coisa. Arbitrar é escolher. Liberdade é usar a escolha, saber usar a escolha. Herege, arrisco acrescentar: poder usar a escolha. O que nos trás de volta ao ovo e a galinha (Clarice, te amo).


Tomada pelo livre arbítrio convidou-se à vida, carimbou o passaporte e foi conhecer as companheiras de Quasímodo em Paris. Desde que se comovera com Charles Laughton no clássico de 1939 pensava naquelas figuras assustadoras com carinho. Amigas do desfigurado monstro de coração dourado, onde sobre o torso e patas de concreto e mármore vertia lágrimas de solidão. Elas eram legais. Ali estavam para assombrar o mal. Quasímodo era legal também. Herói torto. Sem piadinha ou duplo sentido. Ainda estamos falando de moral, ética, emoções.

A partir de Victor Hugo e seu O Corcunda de Notre Dame, a monumental e indescritível Catedral em Paris nunca foi a mesma aos olhos do mundo. E agora estava ali, pela primeira vez, diante daquela maravilha. Era noite. Segurava um copo de vinho quente que ajudava a aquecer as mãos dentro da luva. Muito frio. As visitas estavam encerradas. A Catedral iluminada por fora era ainda mais bela. Deu a volta à procura das gárgulas. Muito altas, a postos lá em cima. A iluminação nas laterais não era tão intensa quanto na entrada principal. Poucas pessoas na rua. Não era temporada de turistas, demarcando


O imaginário sombrio dessa obra prima da humanidade. Não conseguia conversar, falar. Admirava. Um gole, mais um. Olha lá! Lá em cima... é outra gárgula? São todas elas criaturas? Queria se perder naquele turbilhão e não esquecer de fazer tudo o que pedia seu coração. Conversou com Quasímodo secretamente. “Dá um pouco do seu coração pras pessoas desse mundo... chama teu mestre, acorda a Esmeralda, vamos dançar...”.

Respirar o mesmo ar que passava pela Catedral, tocar aquelas pedras, rodeada de historia e memórias emocionais, aceitando de vez sua condição de amar a vida diante da história que pulsa pelo mundo, verbalizou um suspiro: “pelas gárgulas do Quasímodo... eu to aqui... eu to aqui!”

Sempre me deixaram livre para escolher condicionalmente. Convenhamos. Isso não é liberdade.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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