Little Richard: O verdadeiro Rei do Rock
“O Inovador”, “Originador” e “Arquiteto do Rock and Roll” ajudou a quebrar as barreiras do preconceito e se tornou um dos artistas mais influentes de todos os tempos
Toque Toque|LEO VON, do R7
Em artigos passados aqui no Toque-Toque, comentei que, em casa quando criança, tínhamos 4 CDs inicialmente. Eram “The Beatles Past Masters Vol. 1, Vol. 2”, um de jazz e um com sucessos dos anos 50 “Yesterdays Golds Vol. 6”. Esta coletânea foi uma das mais importantes influências na minha vida, que incluía The Del Vikings, Sam Cooke, Jerry Lee Lewis, Buddy Holly, Carl Perkins, e meu preferido, Little Richard. Lucille era a faixa que ouvi mais de um milhão de vezes. Eu tinha em torno de 5 anos de idade e lembro que queria ensinar meus coleguinhas da escola a cantar “There Goes my Baby” dos Drifters, mas claro, fracassei imensamente. Lucille dava pra cantar sozinho, assim como minha outra predileta, “Cupid” de Sam Cooke. Claro que meu pai devia achar super engraçado aquilo tudo, e sempre dizia o quanto amava Little Richard. No “Past Masters Vol. 1”, tinha Long Tall Sally, meu pai me disse que também era do Little Richard e que ele era o ídolo dos Beatles. E quanto à “I’m Down”? Não, essa é do Paul, mas a influência era bem óbvia.
Richard Wayne Penniman nascido em 1932, foi um dos mais importantes ícones da cultura Norte-Americana, popularizando o Rhythm and Blues e introduzindo o mundo ao seu Rock’n Roll único, que firmou as bases para o estilo mais popular da segunda metade do século XX. Ele é citado como um dos primeiros artistas negros “crossover” (quando se atinge mais de uma audiência específica), alcançando um público de todas as raças, quebrando as barreiras de cor e promovendo que brancos e negros ficassem juntos em seus shows, durante o período de segregação racial no sul do país. Segundo o lendário pianista H.B. Barnum, Little Richard “abriu as portas. Ele uniu as raças”. Sua influência artística impactou os Rolling Stones, Ac/Dc, Steppenwolf, Elton John, Freddie Mercury, Robert Plant do Led Zeppelin, Deep Purple, possivelmente todos os grandes artistas do rock, mesmo que indiretamente.
Meu pai decidiu que deveríamos comprar um disco só do Little Richard. Fomos à loja e ele escolheu a maior coletânea que encontrou. Todos os grandes sucessos. Chegamos em casa e eu não conseguia conter a empolgação de poder ouvir tantas músicas, já que até então só conhecia Lucille na voz dele. A primeira foi “Tutti-Frutti”, eu sorri para meu pai que estava com cara de pouquíssimos amigos. “Isso não é Tutti-Frutti”! Não entendi. Na música ele dizia “Tutti frutti, oh rootie” ou sei lá o quê. “Isso não é Tutti-Frutti, eles regravaram, essa não é a original”! Visivelmente chateado ele foi passando todas as faixas freneticamente até que tirou o CD do aparelho. Colocou na capa e disse: “Vamos voltar ao Shopping”.
Isso foi algo comum nos anos após o auge da fama de diversos artistas dos anos 50. A indústria mudava muito rápido e ao invés de gravar um material novo, as gravadoras apelavam para os grandes sucessos em coletâneas ou regravavam versões usando tecnologias mais modernas. O final da década de cinquenta foi marcado, principalmente, pelas mortes de Buddy Holly e Ritchie Valens no fatídico acidente aéreo, o período que Elvis esteve no serviço militar, e a saída de Little Richard do Rock para se dedicar à vida de pastor. Mas os poucos anos em que esteve no auge foi o suficiente para mudar a história da música internacional.
Como com a maioria dos artistas da época, glamour era algo quase inexistente. Eram muitos fracassos, shows sem estrutura, perseguições políticas e sociais, e com ele não foi diferente. De 1951 até 1954, lançou seis singles com as gravadoras RCA e Peacock sem nenhum sucesso comercial. Desiludido, voltou para sua cidade natal em Macon no estado da Georgia, lutando contra a pobreza e trabalhando como lavador de pratos na famosa companhia de ônibus Greyhound Lines. Mas seu carisma e jeito único nos palcos fez com que voltasse à fazer turnês como “apresentação de apoio”. Então, por sugestão de outro ícone da época, Lloyd Price, Little Richard mandou uma demo pra Specialty Records em 1955. Somente seis meses depois recebeu um telefonema da gravadora. Eles queriam um rival para competir com Ray Charles, só que ele preferia o som de Fats Domino. Foi somente quando conseguiram replicar sua energia dos palcos dentro do estúdio de gravação que encontraram seu primeiro lançamento: Tutti-Frutti. Um sucesso vertiginoso e absoluto que chegou ao #2 nas paradas americanas e o estabeleceu como um dos pais do Rock'n Roll.
Na loja de discos do shopping, meu pai falava com o atendente tentando encontrar uma coletânea com as gravações originais. As capas não davam essa informação, então abriram todos os discos disponíveis até encontrar um que tivesse as versões originais. Claro, foi no último disco que encontraram, porque estranhamente colocaram uma fotografia dele dos anos 80 nas versões originais, e nas regravações as fotos dos anos 50. Total desleixo mercadológico, mas o importante é que encontramos! Good Golly Miss Molly, Keep a Knockin’, The Girl Can’t Help It, Rip it Up, Ooh! My Soul, Jenny Jenny, Tutti-Frutti, Long Tall Sally, Lucille, estava tudo ali. Meu pai sorriu e disse: “Isso é Little Richard”!
O som era indescritível. Energético, frenético, alucinante, pesado, dançante. A voz rasgada com os agudinhos gritados, um piano duro, rápido, e um saxofone cuja sonoridade icônica só poderia ser replicada no futuro por guitarras distorcidas. Hard Rock nos anos 50. Só fui assistir a um vídeo dele ao vivo bem mais velho, e é incrível como conseguiram estampar nas gravações toda a energia dos shows. Ele tocava em pé subia no piano, gritava e cantava com toda a ginga e swing que transbordava com sua personalidade. Personalidade esta, que também foi extremamente importante para definir o que é o Rock em sua essência. Liberdade.
Richard Penniman sempre foi pioneiro. Seu jeito “extravagante” à la Liberace, foi o que pavimentou o caminho para Elvis, James Brown e Freddie Mercury. Durante toda sua vida se dizia gay. Diversas vezes condenou a homossexualidade publicamente, provavelmente por sua criação rigorosamente conservadora, mas a abraçava em sua vida pessoal e dizia que sempre foi gay. Foi casado com uma mulher, Ernestine Harvey, e se separaram, segundo Ernestine, por sua “vida de celebridade e sexualidade”. Ele disse numa entrevista/documentário sobre sua vida produzida pela NBC, que seu pai o expulsou de casa quando tinha 15 anos por seu “jeito afeminado” e que o castigava severamente quando o pegava usando a maquiagem e roupas da mãe.
No início de sua carreira, antes de atingir seu grande sucesso, se apresentou diversas vezes como Drag com o nome de “Princess LaVonne”, e por influências de Roy Brown e Billy Wright, usava roupas e maquiagem extravagantes, cabelo pompadour, além daquele bigodinho fino. "Eu usava maquiagem para que não pensassem que eu estava atrás das garotas brancas. Isso tornou as coisas mais fáceis para mim, além de ser colorido também.” Mas isso não impediu que as adolescentes se jogassem aos seus pés e atirassem roupas íntimas em sua direção. Dizem que foi aí que começou essa história de jogar calcinhas no palco. A sexualidade também estava nas letras. O texto original de Tutti Frutti, por exemplo, dizia “Tutti Frutti, good booty. If it don't fit, don't force it. You can grease it, make it easy”. Por isso chamaram a compositora Dorothy LaBostrie para “arrumar a letra” e deixá-la menos agressiva.
Nos deixou em Maio de 2020 aos 87 anos de idade. Colecionando prêmios e honrarias, seu sucesso e contribuições artísticas foram um marco para uma revolução musical que acontecia. O disco que meu pai comprou e que ouvi à exaustão, também teve um impacto muito grande na minha vida, assim como o single de Long Tall Sally em 78 rotações na dele. O ídolo dos Beatles, contra todas as probabilidades da época, se tornou, segundo disse o próprio Elvis Presley, “o maior de todos”. Little Richard é o verdadeiro Rei do Rock. Ou melhor, o verdadeiro Rei e Rainha do Rock’n Roll.
Curiosidades: - Fez parte da banda de Little Richard em meados dos anos 60 um jovem guitarrista chamado Jimi Hendrix que saiu da banda por “aparecer mais” que o próprio cantor.
- Nos começo dos anos 60, os Beatles abriram para Little Richard em diversos shows na Europa e ele ensinou Paul McCartney como usar suas vocalizações icônicas.
- James Brown se apresentava como sósia de Little Richard quando marcavam dois shows que aconteceriam ao mesmo tempo;.
- Ele ministrou como pastor os casamentos de Cyndi Lauper, Tom Petty e de Bruce Willis com Demi Moore.
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