Clássicos - Rush “Moving Pictures”
Ouvir esse disco pela primeira vez foi uma experiência extra-sensorial inesquecível
Toque Toque|LEO VON, do R7
Foi em Junho de 2003 que me apresentaram ao Rush. Todo ano, na data pós meu aniversário, fazia um almoço com minhas amigas e amigos na casa dos meus pais. Era sempre no final de semana quando não tinha aula, mas todos estávamos tensos porque era no período de provas antes das férias de Julho. Naquela época, um CD era um baita presente, e ainda na fase de descobertas, qualquer som “novo” era um acontecimento. Já tínhamos o Napster, Limewire e Emule, mas cada download daqueles demorava horas, às vezes dias pra baixar uma única faixa.
Na escola eu era o carinha que cantava. Sempre que tinha algum festival de bandas ou coisa do tipo, alguém me convidava pra cantar. Numa dessas, fiz amizade com uns caras mais velhos, do terceiro ano. Eles já faziam música e eram muito à frente dos outros moleques da escola. O GG (abreviação de Gustavo Gordo mas ele não era gordo…Vai entender), sempre mostrando coisas novas pra eu conhecer e a gente tocar eventualmente. Bom, nesse meu aniversário de 16 anos, ele me deu de presente o CD “Moving Pictures” do Rush. Nunca tinha nem ouvido falar. Demorou até eu tirar da caixa e escutar. Ele me cobrava na escola: “E aí? Ouviu o Rush”? Eu sempre arrumava uma desculpa. Ele dizia: “Ouve cara… É legal”!.
Um dia, abri o CD e coloquei pra tocar. “Tom Sawyer”. “Nossa… o personagem lá dos livros”. Achei que ia ser meio besta aquilo ali. O som era meio estranho e não entendi direito. Uns sintetizadores ali e a bateria toda exagerada, o baixo alto pra caramba. Próxima faixa: “Red Barchetta”.
De repente, fiquei completamente em choque. Eu nunca tinha ouvido algo como aquilo. Era uma viagem, uma história, um filme. A música me empolgava enquanto lia a letra. Entrei na ficção, completamente imerso naquele mundo. Ouvi três vezes seguidas. Depois resolvi voltar para Tom Sawyer. Agora tudo fazia sentido! A bateria era linda. O baixo era como um condutor, não como um maestro regente, e sim como uma estrada que me levaria à algum lugar. As guitarras tinham um som único, muito bem colocadas entre os versos. Os sintetizadores eram a cereja do bolo, algo que aparecia inesperadamente entre os três instrumentos principais. Aquelas eram duas das melhores músicas que eu já tinha ouvido na minha vida! E eram apenas as duas primeiras. O que viria pela frente?
“YYZ” foi o que veio pela frente. Acho que foi a primeira música instrumental de rock que ouvi e gostei. Gostei não, amei! Os instrumentos, somente os instrumentos estavam contando uma história. Tinha começo, meio e fim. Foi ali que me apaixonei completamente pelo disco. Não precisaria ter mais nada além das três primeiras. Mas tinha. “Limelight” veio em seguida.
O riff de introdução da “Limelight” foi o que me fez realmente querer tocar guitarra. Eu nunca fui um grande guitarrista. Na real, nunca fui um bom guitarrista, mas essa faixa fez com que eu quisesse me tornar um. Daquele Rock’n Roll gostoso do começo, com aquela bateria toda “torta” (pelo que eu tinha como referência até então), até chegar num ápice que cai dentro de um clima totalmente relaxante. Era outra viagem, como se tivesse sido abduzido para outro planeta e, chegando lá, tudo era diferente e mais interessante. Quando ouvi pela primeira vez achei que significava isso mesmo. Limelight imaginei que fosse faixo de luz em inglês e achei que era como aquele do E.T. ou do Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Mas não, ela falava do peso do sucesso e da fama pelos olhos do baterista, mas só descobri isso um tempo depois. Enfim, em “Limelight” tudo é lindo e eu queria ouvir a próxima.
“Camera Eye” tem mais de dez minutos. Mas não é longa. Eu conhecia ainda muito pouco de Rock Progressivo e uma música com mais de seis minutos era inédito pra mim. Mas quando cheguei nela já tinha entendido que todas as obras até então eram histórias com começo, meio e fim, e com “Camera Eye” não foi diferente. Altos e baixos, dinâmicas diversas, temas que vêm e vão, uma obra prima em si, como um album dentro de um album. Afinal, quem eram esses caras do Rush? Por que eu já com meus 16 anos nunca tinha ouvido falar deles?
A foto dos integrantes no encarte do CD não ajudou muito, era melhor ouvir só a musica… Com o tempo eles acabaram se tornando três Adonis pra mim, mas ainda precisava ouvir muita coisa pra me apaixonar desse jeito.
“Witch Hunt” (Caça às Bruxas) era a Parte III de “Fear” (Medo). Então tinham partes de composições espalhadas pelos discos? Ou era algo tipo O Império Contra-Ataca Episódio V sendo que era o segundo da série? Mais histórias e viagens? O começo realmente passa uma intenção de “medo”, mas depois fica bonita e relaxante. Outra que era excelente mas que achei mais longa do que a anterior, apesar de ser menos da metade do tempo. Finalmente cheguei na última. “Vital Signs”. Nela o baixo já era tão familiar como um “amigo há muito esperado”, e a linha era como uma desenhada no chão com giz de cera, ou como uma estrada de tijolos amarelos.
No final do disco me senti até cansado de tanto que vivenciei e aprendi. Foi uma aula guiada, um filme de ação, suspense e ficção científica. Quando “Vital Signs” chega ao volume zero no fade-out, é quase que impossível não querer ouvir de novo. Devo ter ouvido todos os dias antes de ir para a escola durante meses, e hoje, sempre que ouço volto para aqueles tempos em que pra mim, a música era algo novo, empolgante e infinito. Ele conseguiu se manter atual hoje, há 15 anos atrás, e desde seu lançamento há 40 anos em 1981.
Agradeço ao Geddy Lee, Alex Lifeson, Neil Peart, por terem dividido sua genialidade com o mundo, ao GG, responsável por eu ter tido acesso ao “Moving Pictures” e ao meu amigo Renato Marteleto que mora em Las Vegas, por ter me levado ao R40, ultima turnê do Rush, onde tive o privilégio de presenciar Tom Sawyer, Limelight, YYZ e minha eterna preferida Red Barchetta, ao vivo. “Moving Pictures” é uma obra eterna.
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