Murillo Antunes Alves e a reportagem de rua em 1953
Improviso e um papelzinho na mão. Murillo foi editor-chefe do jornalismo da Record até os 91 anos.
Testemunha da História|por Gilson Silveira
No início, o Record em Notícias mostrava apenas o rosto do repórter. Estar na rua era tecnicamente impossível: não existiam ainda nem câmeras portáteis nem equipamentos móveis de geração e transmissão. Mais experiente repórter da equipe pioneira, Murillo Antunes Alves descreve como era o trabalho da reportagem no início da TV Record:
Praticamente só tínhamos o estúdio do jornal. Ficou combinado que cada repórter procurasse a notícia%2C preparasse tudo e falasse de improviso. Não tinha esse negócio de ler. Eu fiquei encarregado da parte política%2C da cobertura da Assembleia e da Câmara Municipal. Passava durante o dia nesses lugares e%2C à noite%2C quando o Record em Notícias entrava no ar%2C assim que avisavam 'sua vez'%2C fazíamos um título%2C como 'Conceição contra ICM’%2C e ficávamos com aquele papelzinho na mão%2C para o caso de algum branco. Em seguida%2C narrávamos a notícia%3A A Assembleia realizou hoje uma sessão movimentada. A deputada Conceição da Costa Neves fez um discurso que provocou uma série de comentários. Os deputados quase se engalfinharam... O nosso tempo era mais ou menos delimitado e na sequência entrava o próximo%3A A polícia apresentou hoje...
O registro em carteira de Murillo, datado de 1° de maio de 1938, o profissional de imprensa mais antigo em atuação no Brasil, exercendo a função de editor-chefe do jornalismo da Record até 2010, o ano de sua morte. Possuiu um histórico de coberturas nacionais e internacionais vasto. A passagem que mais gostava de contar é a de uma aposta arriscada que fez com os colegas que cobriam o Palácio dos Campos Elísios na década de 50. Sede do governo estadual, hospedava o folclórico governador Adhemar de Barros. Populista que se orgulhava de falar errado, Adhemar, como gostava de ser chamado, dispensando o protocolo, também cultivava a fama de ser um político "que rouba mas faz", acusação, feita por seus opositores, que ele soube capitalizar. De temperamento rude, porém, ninguém tinha coragem de lhe perguntar diretamente o que achava dessa duvidosa fama.
Murillo encarou o risco e, durante uma entrevista coletiva com o governador, lascou a pergunta em tom solene: "Governador Adhemar de Barros, Vossa Excelência sabe perfeitamente, como homem público que é, que todo político está sujeito a uma série de ataques e de inventivas. Vossa Excelência é, continuamente, acusado por seus adversários de ter uma caixinha. Como o senhor recebe essas acusações?" Embora dono de um repertório de histórias inusitadas, Adhemar, mesmo assim, surpreendeu a todos pela tranquilidade da resposta, negando a acusação. E Murillo ganhou a aposta.
Vamos falar mais de Murillo Antunes Alves mais pra frente. Ele comandou o Repórter Esso (1970), participou ativamente da cobertura da inauguração de Brasília (1960) e continuou com o Record em Nótícias durante muitos anos no início das tardes da emissora, até que o telejornal ganhou o apelido de 'Jornal da Tosse'.
Nota do autor: Encontrei o Murillo Antunes Alves durante alguns anos na Record até próximo de sua morte, aos 91 anos (de 2000 a 2010). Ele ainda tinha o cargo de editor-chefe do jornalismo, mesmo não exercendo a função, aparecia religiosamente todos os dias pela manhã de terno e gravata, empunhando seu guarda-chuva, circulava pela redação, conversava e ia embora. De segunda a sexta, sem falhar. Era o funcionário mais antigo da emissora até então, cartão 004, lembro. Muitas vezes vinha com seu gravador antigo mostrar as gravações, em fita k-7, de algumas entrevistas. Duas eram suas preferidas: Monteiro Lobato e Jânio Quadros. Escutei essas gravações diversas vezes e ouvi deliciosas histórias do início do jornalismo na televisão.
Próximo post: As famosas garotas-propaganda.
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